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REFLEXÕES SOBRE O ESPAÇO,
O URBANO E A URBANIZAÇÃO
É nossa intenção discutir se a urbanização é passível de ser compreendida como parte integrante do processo geral de estruturação da sociedade e do território. Umprocesso onde as desigualdades geográficas, econômicas, sociais etc. conjugadasà mobilidade espacial e setorial do trabalho contribuem para alterar o território,subordinadas às necessidades de reprodução geral das relações sociais e espaciaisde produção e ao desenvolvimento do meio técnico-científico. Este processo quegera fixos e fluxos tem uma resultante que se expressa espacialmente em duasescalas: a cidade, na escala dos lugares; e a rede urbana, enquanto a manifestaçãoespacial da cooperação entre lugares (LOJKINE, 1981), na escala territorial. Istonão significa dizer que a urbanização em si seja um determinante maior ou menor,mas sim um elemento que interage com outros na construção do espaço, do urba-no, que tende a ir além das cidades.
Trataremos, portanto, da estruturação do território sob um olhar particular, espe- cífico, todavia, ao mesmo tempo, amplo, concernente à urbanização enquantonecessidade histórica para a reprodução das relações sociais de produção numaformação social e econômica específica.
Para uma concepção ampliada da urbanização
A negligência com o espaço, enquanto categoria de análise, por parte da teoria social em geral, e pelas ciências sociais em particular (exceto por raras exceçõesdas contribuições dos leninistas, de Gramsci e da Escola de Chicago) e o desinte- GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 resse da Geografia para com as relações sociais de produção e com a análise dosfenômenos sociais e econômicos, até a década de 60, deveu-se em boa parte àherança positivista de estanquização do conhecimento em diferentes competências.
Portanto, se as ciências sociais, a economia e outros ramos do conhecimento nãose preocuparam com a espacialidade das relações sociais de produção, foi porquenão fazia parte das atribuições destes campos de conhecimento. Algumas correntes de análise, todavia, não deixaram o espaço completamente de lado. Entre elas a ecologia urbana da Escola de Chicago; as proposições de pla-nejamento urbano e regional que despontaram entre 1930/50; a historiografiaregional e a produção dos Annales, que deu continuidade às tradições de Vidal deLa Blache; as teorias marxistas do imperialismo e os trabalhos de Gramsci sobre aquestão regional.
As abordagens que tentavam articular as categorias espaço-tempo questionavam as análises historicistas e economicistas vigentes. Estas abordagens encaravam oespaço apenas como um elemento cultural, e portanto integrante da superestruturade uma sociedade e o urbano enquanto um mero somatório de elementos ou umespaço marginal à produção. Entre os pioneiros da articulação do tempo/espaço,em relação à urbanização, temos Henri Lefebvre, para quem o espaço não se resu-miria a um reflexo das relações sociais de produção e a urbanização, por sua vez,enquanto processo de disseminação do urbano, que ampliava-se e generalizava-seem escala mundial - deveria ser entendida enquanto expressão das relações sociaisao mesmo tempo em que incidiria sobre elas (LEFEBVRE, 1972). O significado dos termos urbano e urbanização para Lefebvre ia além dos limi- tes das cidades. Em seu entender a urbanização seria uma condensação dos proces-sos sociais e espaciais que haviam permitido ao capitalismo se manter e reproduzirsuas relações essenciais de produção e a própria sobrevivência do capitalismo esta-ria baseada na criação de um espaço social crescentemente abrangente, instrumen-tal e mistificado (LEFEBVRE, 1991), na compreensão de que “é neste espaço dia-lectizado (conflitual) que se realiza a reprodução das relações de produção. É esteespaço que produz a reprodução das relações de produção, introduzindo nela con-tradições múltiplas, vindas ou não do tempo histórico”. (LEFEBVRE, 1973) Pelo fato de Lefebvre colocar num mesmo plano o espaço social e as relações sociais de produção, muitos interpretaram isto como uma tentativa de atribuir umpapel transformador ao espaço. Lefebvre, todavia, não confere ao espaço um papeltransformador, mas condicionador, regulador como fica claro na seguinte passa-gem: As práticas espaciais regulam a vida - não a criam. O espaço não tem poder em ´si mesmo´, nem o espaço enquanto tal determina as contradições espaciais. Estas são contradi-ções da sociedade - contradições entre uma coisa e outra no interior da sociedade, como por Reflexões Sobre o Espaço, O Urbano e a Urbanização exemplo entre as forças e as relações de produção - que simplesmente emergem no espaço, aonível do espaço, e assim engendram as contradições do espaço (LEFEBVRE, 1974) Para ele, assim, o espaço socialmente produzido assume um papel interati- vo com as relações sociais de produção. E a que relações sociais de produçãoLefebvre se refere? deve-se tomar como referência não a produção no sentido restrito dos economistas - isto
é, o processo de produção das coisas e de seu consumo -, mas a reprodução das relações de
produção
. Nesta ampla acepção, o espaço da produção implicaria, portanto, e encerraria em
seu seio a finalidade geral, a orientação comum a todas às atividades dentro da sociedade
neocapitalista. Trata-se da produção no mais amplo sentido da palavra: produção das rela-
ções sociais e reprodução de determinadas relações
.
(LEFEBVRE, 1976)
Com isso sua proposição conquista uma amplitude maior do que a proposição de Castells, que reduziu o urbano a uma ideologização ao nível do consumo,enquanto um espaço marginal à produção.
A vinculação do espaço em geral e do espaço urbano em particular apenas à produção, segundo Lefebvre, implicaria apenas na reprodução dos meios de produ-ção concernentes à força de trabalho e seria adequada a uma análise do capitalismocompetitivo do século XIX e não à atual etapa. Por outro lado, desde então as con-dições gerais se transformaram, e hoje o sistema capitalista deve garantir semprealém da reprodução dos meios de produção, a reprodução das relações sociais deprodução, efetivada através da totalidade do espaço, na medida em que compreen-dem a reprodução do cotidiano em novos e antigos espaços, perpassados por dife-rentes tempos históricos - simultaneidades.
Para Lefebvre a reprodução ampliada e as novas condições materiais do capita- lismo estariam intimamente relacionadas aos processos pelos quais o sistema capi-talista como um todo consegue ampliar sua existência através da manutenção edisseminação sócio-espacial de suas estruturas. Tanto a nível da reprodução docotidiano, da reprodução da força de trabalho e dos meios de produção quanto anível da reprodução das condições gerais e das relações gerais sociais de produção,onde a organização do espaço passa a desempenhar um papel fundamental. Seriano espaço socialmente produzido, o espaço urbano do capitalismo mesmo nocampo, onde se reproduziriam as relações dominantes de produção através de umespaço social concretizado, criado, ocupado e fragmentado conforme as necessida-des da produção e do capitalismo. Nossa intenção é trabalhar a compreensão do espaço conjugada à urbanização, a qual sugere um corte analítico onde a tradicional distinção entre abordagens disci-plinares será absorvida por uma diferenciação epistemológica. Esta última é mais GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 genérica e fundamental e abriga uma discussão que ultrapassa o recorte disciplinar,pois se a discussão sobre a urbanização é teórica, o debate sobre o espaço situa-seno campo epistemológico, por este não se constituir em um conceito, mas em umacategoria do conhecimento.
Não é nossa intenção, todavia, proceder a uma discussão exaustiva e aprofunda- da. Isto já foi feito de diferentes maneiras, com distintos recortes por diversosautores (Castells, Harvey, Soja e Lefebvre entre outros). Iremos, outrossim, sele-cionar exemplos representativos das diversas concepções para explicitar porqueentendemos a urbanização enquanto parte do processo de estruturação do territó-rio, enquanto um processo histórico-espacial com desdobramentos sócio-econômi-cos.
A vertente crítica
Elaborada desde o século XIX a partir da obra de Marx, a abordagem crítica viu-se perante um desafio na medida em que a ampliação do capitalismo resultouno surgimento de novas condições de reprodução das sociedades capitalistas noséculo XX. A cidade e a urbanização tornaram-se um enigma a ser desvendado eum desafio para o “paradigma” crítico de filiação marxista; tratava-se de encontraruma resposta política apropriada a uma urbanização crescente da economia e davida social e política em todos os aspectos e escalas.
Até a década de 70 pouca atenção se deu, no âmbito da teoria crítica, à questão do espaço propriamente dito. O espaço era visto como um continente ou um refle-xo externo da dinâmica social, que seria neutralizado em termos de sua interaçãocom os processos sociais e históricos.
A produção teórica a partir da década de 70, sobre o espaço e a urbanização, tanto a estruturalista quanto a de reação ao positivismo estruturalista, corporificou-se em uma economia política da urbanização e do desenvolvimento. A interdisci-plinaridade epistemológica levou a diferentes conceituações e definições do espaçoe do urbano e à percepção das mudanças da urbanização conforme o capitalismo seampliava e avançava, num constante processo de reestruturação e globalização.
A cidade foi descoberta, inicialmente, como locus, espaço, de reprodução da força de trabalho, da troca e do consumo. O planejamento urbano foi criticamenteexaminado como instrumento de coerção e normatização do espaço pelo Estado. Aatenção dos analistas transferiu-se dos locais de trabalho (fábricas) para os confli-tos nos locais de reprodução e sobrevivência da força de trabalho (meio urbano,habitação e equipamentos coletivos e serviços de infra-estrutura) que se consolida-ram em diversos estudos sobre os movimentos sociais urbanos reificados como anova forma de luta política por diversos estudiosos. Isto contribuiu para ampliar o Reflexões Sobre o Espaço, O Urbano e a Urbanização campo da análise urbana em diversos segmentos preocupados principalmente coma reprodução da força de trabalho e o consumo coletivo.
Trajetória e principais contribuições
O historicismo na ciência social tradicional assumiu muitas versões distintas e em todas a questão do espaço permanecia como um apêndice ou complicação. Apostura historicista tendia a bloquear o papel do espaço social na estruturação doterritório e a transformá-lo no lugar do processo histórico. Igualmente, na vertentecrítica, os trabalhos de cunho historicista centraram-se na dinâmica temporal eignoraram a dinâmica espacial da modernização e do modernismo, a despeito dascontribuições de Lenin (1913-1916), Luxemburgo (1972), Trotski (1978) para umateoria do desenvolvimento histórico e geograficamente desigual e combinado.
Os trabalhos de cunho economicista contribuíram para minimizar tanto a reifi- cação espacial fascista, inspirada num hipotético determinismo geográfico deRatzel, quanto a reificação do espaço proposta por Le Corbusier. Propiciaram,também, que toda formulação que procurasse associar a dimensão espacial à teoriasocial crítica fosse descartada enquanto um fetichismo do espaço e privilegiamentode uma falsa consciência, própria do idealismo hegeliano, postura que se manteveaté os anos 70.
De certa forma a recuperação da discussão do espaço na teoria crítica deve-se em parte às contribuições do existencialismo marxista de Sartre e do estruturalis-mo de Althusser, ambas abertas para a questão do espaço e que por seu antagonis-mo no concernente à relação estrutura-sujeito contribuíram para cindir o marxismofrancês após 1945.
A abordagem estruturalista inspirou diversos estudos sobre o espaço no âmbito de vários corpos disciplinares, por fornecer um corpo epistemológico que permitiadiscutir as raízes dos fenômenos e efeitos espaciais nas relações sociais de produ-ção, em particular por seus ataques ao historicismo e por sua abertura para a ques-tão espacial. Esta abordagem contribuiu para as formulações de Castells, para ageografia marxista nascente se contrapor aos estudos positivistas e para abrir bre-chas no arcabouço anti-espacial elaborado pelos adeptos do historicismo e do eco-nomicismo.
Após analisar a produção teórica relativa à urbanização Castells define-a enquanto uma noção ideológica (CASTELLS, 1978);1 por partir da proposição que 1 “.a noção ideológica de urbanização refere-se ao processo através do qual uma proporção signi-ficativamente importante da população de uma sociedade se concentra em um certo espaço, no qualse constituem aglomerações funcional e socialmente interdependentes do ponto de vista interno, e emrelação de articulação hierarquizada (rede urbana).” (CASTELLS, 1978) GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 esta refere-se tanto a formas espaciais quanto a um sistema cultural específico, deonde conseqüentemente não haveria uma problemática especificamente urbana.
Descarta-a, assim, enquanto objeto de estudo e propõe que “mais que falar deurbanização, trataremos do tema da produção social de formas espaciais”(CASTELLS, 1978), e reduz o urbano ao espaço funcional onde se concentra umapopulação. Atribuir uma especificidade ao urbano, em seu entender, equivaleria a recair na ideologia da escola de Chicago, base de sua crítica a Lefebvre. Pois isto significa-ria tanto “estabelecer a correspondência entre formas ecológicas e conteúdo cultu-ral” quanto “sugerir uma ideologia da produção de valores sociais a partir de umfenômeno ‘natural’ de densificação e hetereogeneidade sociais” (CASTELLS,1978).
Ao reduzir a análise da cidade à esfera do consumo concentra-a na política urbana do consumo coletivo e na mobilização dos movimentos sociais urbanos, epara tanto a situa em uma linha comum desde o ideo-eco-logismo da Escola deChicago até a obra de Lefebvre, a quem equipara aos culturalistas.
Para Castells admitir o urbano como um estilo de vida seria admitir o papel da cultura, da superestrutura, na conformação das relações sociais e obscureceria osproblemas sociais que se manifestavam nas cidades. Ao fazê-lo, no entanto, deixoude lado a possibilidade de considerar a existência do urbano no não-urbano. Poroutra parte, admitir o papel da cultura iria contra as posturas epistemológicas domarxismo ortodoxo e do estruturalismo althusseriano, pois o econômico seria odeterminante em última instância, ou seja, em última análise isto representaria umembate contra o primado do economicismo e do historicismo, tão criticados porLefebvre. Anos mais tarde Touraine (1980) destacaria o papel da cultura na socie-dade contemporânea ao contestar o primado do econômico.
Após a publicação da Questão Urbana de Manuel Castells (1972), Jean Lojkine (1977) define, em contraposição a Castells, o urbano enquanto o lugar da produçãoe da circulação necessário para a reprodução das relações sociais de produção ondeinterviriam diversos agentes, em particular o Estado. As definições de ambos,todavia a partir de um certo ponto de vista, podem ser vistas como complementa-res, além de partilharem a perspectiva economicista.
Em decorrência das proposições destes dois autores o urbano passou a ser visto enquanto o produto do capital que requer uma organização espacial e o lugar ondeos fatores de reprodução e demanda se concentram. Nesta perspectiva o espaço foireduzido a mero suporte da circulação de capital, mercadorias e informaçãoenquanto o desenvolvimento das cidades estaria subordinado às necessidades dacirculação e à subordinação do trabalho ao capital.2 (HARVEY, 1978) A redução da análise marxista à afirmação das determinações estruturais últimas pode ser interpretada como a eliminação de toda especificidade histórica e geográ-fica, o que conduz à supressão da cidade e dos processos espaciais, entre eles aurbanização, como objeto de análise. Muitos analistas chegaram a esta conclusão Reflexões Sobre o Espaço, O Urbano e a Urbanização nos anos setenta. Nem teorica, nem empiricamente, a cidade era considerada umobjeto, mas a expressão de estruturas societárias mais amplas e profundas.
Enfim, Castells chega a colocar que “é necessário substituir a dicotomia rural/urbana por uma diversidade descontínua de formas espaciais e por uma plura-lidade diferenciada de unidades de reprodução da força de trabalho” (CASTELLS,1972). Porém permanece sua identificação com o urbano enquanto local de repro-dução da força de trabalho, por relacionar e identificar o modo de vida a uma ins-tância cultural e não ao quadro e condição de vida dos trabalhadores, definidos porsua inserção no processo produtivo.
Apesar de Castells, na década de setenta, não ver no urbano um objeto teórico específico, não deixou de captar a nova problemática urbana que emergia. FoiHarvey, todavia, quem contribuiu para abrir uma nova fase na análise da interaçãoentre o espaço, o urbano e o processo de produção: Primeiro, ao entrelaçar o trabalhar e o viver e apontar que “o capital domina o
trabalho não só no local de trabalho, mas também no espaço de viver, através dadefinição da qualidade e dos padrões de vida da força de trabalho” (HARVEY,1982), ou seja a luta entre capital e trabalho extrapola os locais de trabalho, semque as lutas nos locais de viver extrapolem as lutas nos locais de trabalho, elasocorrem simultaneamente.
Segundo, ao propor, com base nos Grundrisse de Marx, que a criação de novas
estruturas espaciais não seria um processo isento de contradições. Para Marx, ocapital no intuito de superar barreiras espaciais impostas pela propriedade fundiá-ria e para suprimir o espaço pelo tempo, procura criar graças ao avanço tecnológi-co novas estruturas móveis e fixas, meios de transportes, instalações, meios de pro-dução, as quais acabam por atuar, elas mesmas, como barreiras a serem superadasnum momento posterior. De onde Harvey conclui que: O capital assim chega a representar-se a si mesmo na forma de uma paisagem física criada a sua imagem, criada como valores de uso para aumentar a progressiva acumulação de capitalem uma escala crescente. A paisagem geográfica que abarca o capital fixo e imóvel é simulta-neamente a glória do desenvolvimento pretérito do capital e uma prisão que inibe o avançoposterior da acumulação, porque a própria construção desta paisagem é antitética da ´destrui-ção das barreiras espaciais´ e, enfim, inclusive da eliminação do fator espaço pelo fator tempo(HARVEY, 1978).
2 “Em sociedades industriais e capitalistas, as cidades desenvolvem-se de acordo com as necessida-des da circulação de capital e mercadorias, e com a subordinação do trabalho ao capital. Apresentam-se a si mesmas como o lugar no qual os fatores de reprodução e demanda estão concentrados. Em talcontexto, como foi claramente assinalado por Freitag, é difícil falar de relações sociais urbanas”.
(LAMARCHE, 1977).
GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 Ao inserir o meio urbano na paisagem geográfica do capital como parte inte- grante do processo geral de reprodução das relações sociais e condições gerais deprodução em escala ampliada, Harvey aponta para a constante construção e disso-lução de estruturas móveis e fixas, de espaços socialmente construídos, e confere-lhes uma espacialidade complexa e contraditória - uma dimensão espacial em per-pétua transformação num processo dialético e contraditório, onde, apesar de neces-sários, novos espaços tornam-se obstáculos para espaços futuros.
Terceiro, ao situar a importância da mobilidade espacial do capital e do trabalho
na conformação do território, não reduz a formação da paisagem apenas ao capitalmas aos movimentos do trabalho em sua luta contra os avanços do capital. O fatodo capital criar uma paisagem não pressupõe que o trabalho a aceite passivamente,isto portanto “não significa dizer que o trabalho não pode vencer em aspectos par-ticulares, nem implica a existência de uma e apenas uma definição de valores deuso para o trabalho, que se adapte aos interesses da acumulação” (HARVEY,1982).
A cidade, o espaço urbano, assim passa a integrar a paisagem geográfica do capital enquanto parte necessária de um espaço social complexo e pleno de contra-dições que simultaneamente estimula e obstaculariza o desenvolvimento e repro-dução das relações sociais de produção a nível geral, num movimento de constru-ção de novos espaços e destruição / apropriação de espaços pretéritos.
A ampliação da temática urbana, entre 1970/80, com ênfase, ainda que limitada nas relações espaciais, constituiu uma ameaça ao primado do econômico e da pro-dução em si, conjugada ao receio de se resvalar para o determinismo espacial.
Em conseqüência em uma parte dos estudos urbanos e regionais da década de 70 manifestou-se uma reafirmação do historicismo e economicismo onde o espaçopassou a ser considerado como “um produto das relações sociais mais fundamen-tais de produção e das ‘leis de movimento’ a-espaciais (mas, mesmo assim, históri-ca) do capital” (SOJA, 1993), e um apêndice interessante a ser considerado na aná-lise.
Muitos estudiosos reviram mais tarde suas posições e retornaram do historicis- mo à teorização do espaço como Massey, Harvey e Smith. Se a defesa da perspec-tiva espacial não teve êxito ao menos a análise espacial marxista prosperou comoum adendo e ênfase metodológica.
Balanço do debate da vertente crítica
A controvérsia entre geógrafos, sociólogos, economistas políticos e teóricos do planejamento mobilizados para elaborar uma análise crítica da urbanização capita-lista, sobre a possibilidade das formas sociais e espaciais urbanas constituirem-senum objeto adequado de teorização e análise alimentou diversas discussões nasduas últimas décadas. Parece-nos que este debate tem sua raiz exatamente no con- Reflexões Sobre o Espaço, O Urbano e a Urbanização fronto disciplinar com distintos viéses analíticos de um mesmo objeto, a partir deuma mesma base teórica, que procuravam enfatizar e privilegiar o que lhes pareciacrucial.
O althusserianismo de Castells levou-o a rechaçar Lefebvre e atribuir-lhe uma fetichização do urbano. Porém, parece-nos que Lefebvre ao invés de fetichizar ourbano desenvolvia uma tese mais geral, não compreendida então por Castells, deque as lutas contemporâneas, sociais ou não, eram intrinsecamente disputas pelaprodução social do espaço, ao propor que “se o espaço se torna lugar da re-produ-ção (das relações de produção), torna-se também lugar de uma vasta contestaçãonão localizável, difusa, que cria o seu centro às vezes num sítio e logo noutro”.
(LEFEBVRE, 1973).
Esta contestação, conforme Lefebvre, estaria ligada às necessidades de “ocupa- ção do mundo pelo crescimento econômico, pelo mercado e pelo Estado (capitalistaou socialista)” (LEFEBVRE, 1973). Nesta perspectiva os movimentos sociaisurbanos, definidos por Castells como uma nova forma de luta política, constituíamapenas uma parte da problemática espacial mais ampla de Lefebvre, que manteve-secomo a única voz discordante ao salientar a necessidade de uma problemática espa-cial no marxismo contemporâneo, por considerar que a transformação do capitalis-mo estaria relacionada a uma luta simultaneamente espacial e social, numa dialéticahorizontal e vertical, sem se poder aceitar a priorização ou determinação de umasobre a outra.
Algumas destas análises tendiam a reduzir a urbanização a um fenômeno do modo de produção capitalista, e esqueciam que antes do surgimento do capitalismojá havia cidades e urbanização, desde que existe uma divisão social e territorial dotrabalho. Não se trata, obviamente, sempre da mesma urbanização. No decorrer doprocesso histórico ela muda de qualidade e significado conforme se transforma omeio técnico-científico. Ou seja, a estruturação do território, da qual a urbanizaçãoé parte integrante, não é estática, mas muda de caráter em termos de peso e signifi-cado/qualidade.
O que não se percebia é que a urbanização, longe de ser um processo autônomo, era parte integrante e essencial da produção do espaço pelo capitalismo, ao mesmotempo em que obstacularizava seu desenvolvimento num movimento dialético.
Se, durante o capitalismo competitivo, pouca importância foi atribuída, ao con- texto urbano, isto mudou de figura com a reprodução ampliada, globalização daeconomia e desenvolvimento do meio técnico-científico, que intensificou a con-centração de capital nos centros industriais e criou uma pressão crescente por partedo capital e da força de trabalho por investimentos em infra-estrutura, melhoria dahabitação, serviços, etc. Era necessário reorganizar o espaço urbano e tornar ossistemas urbanos eficazes tanto para implementar a acumulação de capital quantopara apaziguar a inquietação social. Neste sentido, o Estado desempenhou umpapel chave no (re)planejamento das cidades e em sua adequação às novas necessi-dades que se antepunham ao desenvolvimento do capitalismo.
GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 A discussão da propriedade da inserção do espaço na teoria social crítica prosse- guiu com novas contribuições de geógrafos (Harvey, Soja, Santos e outros), a des-peito da controvérsia gerada por Castells, criticado por Lojkine e outros autores. Oespaço enquanto categoria de análise acabou por ser incorporado, ainda que par-cialmente, por alguns sociólogos como Giddens, Urry e mesmo Castells. Este, noseu trabalho sobre a cidade e os movimentos de base (grassroots) quase acolhe asproposições de Lefebvre, ao colocar que “o espaço não é um ‘reflexo dasociedade’, ele é a sociedade”; e a ação social sobre o espaço “será exercida numaforma espacial já herdada, produto da história anterior e sustentáculo de novosinteresses, projetos e sonhos” (CASTELLS, 1983). .
Harvey e Castells convergem em sua crítica a Lefebvre e ao procurarem delimi- tar a análise espacial enquanto uma reação à aparente excessiva centralidade eautonomia conferida por Lefebvre à problemática do espaço urbano, a qual lhesparecia relegar a um segundo plano as relações sociais de produção (produção ecirculação, reprodução) e do capital industrial, submersas pelas relações sociaisespaciais da produção e do capital financeiro. Ambos, todavia, reconhecem a con-tribuição de Lefebvre para a compreensão da organização do espaço como produtomaterial e do conteúdo ideológico do espaço social. Ou seja, conforme Soja, “emsua conceituação do urbanismo, Lefebvre lhes parecia estar substituindo o conflitode classes pelo conflito espacial / territorial como força motivadora da transforma-ção social radical” (SOJA, 1993).
Lefebvre em sua obra sobre a produção do espaço, entretanto, não coloca a luta de classes e as relações de produção num plano secundário em relação às relaçõesespaciais de produção, mas num mesmo plano, e não limita a reprodução geral dasrelações sociais de produção apenas a uma esfera (da produção, da circulação ou doconsumo). Para Gottdiener (1993) o problema residiria no fato de Harvey e Castellshaverem trabalhado com obras de Lefebvre anteriores à Produção do Espaço, ondeLefebvre delineia melhor suas proposições. A raiz do equívoco segundo Soja, esta-ria na incapacidade dos analistas marxistas de avaliarem o caráter essencialmentedialético das relações sociais e espaciais, bem como de outras esferas estrutural-mente ligadas, como a produção e o consumo.” (SOJA, 1993).
A discussão, assim, ao invés de trabalhar a nível de uma dialética sócio-espa- cial, através da oposição, unidade, contradição e complementariedade, voltou-separa um debate de categorias relativas à primazia do social sobre o espaço. Nestesentido a dialética sócio-espacial, conforme Soja, não se enquadraria nem na alter-nativa da organização do espaço (no contexto do urbanismo) ser “uma estruturaseparada, com suas leis próprias de transformação interna e construção” nem “aexpressão de um conjunto de relações inserido numa estrutura mais ampla (comoas relações de produção), ambas propostas por Harvey (SOJA, 1993).
Reflexões Sobre o Espaço, O Urbano e a Urbanização Urbanização e estruturação do território
A partir da trajetória examinada podemos reafirmar que as relações sociais de produção não se processam no vazio, mas em espaços determinados e assumemum caráter espacial; as relações espaciais de produção (horizontais) são vazias designificado sem relações sociais de produção (verticais) que as qualifiquem. Háque se perceber o caráter dialético destas relações onde uma pressupõe a outra,ambas dialeticamente inseparáveis interdependentes e contraditórias.
Para superar a tendência da postura historicista, em bloquear o papel do espaço social no território e reduzi-lo ao papel do lugar do processo histórico, há que seconsiderar uma série de premissas, conforme Soja, nas quais operamos algumasmodificações: 1. O espaço social é produto de uma sociedade; como tal é ao mesmo tempo meio e resultado das ações e relações sociais, o que lhe confere um caráter dia-lético. A estruturação espaço-temporal da vida cotidiana interfere e condicionaa concretização e constituição das ações e relações sociais.
2. A constituição do espaço socialmente produzido é plena de contradições e lutas, muitas rotinizadas no cotidiano, decorrentes do caráter dialético de suaprodução, através da atividade social e econômica, por ser simultaneamentesuporte, meio, produto e expressão da reprodução das relações sociais de pro-dução em escala ampliada, o que confere a estas relações um caráter espacialnecessário.
3. O espaço socialmente produzido é simultaneamente fruto das tensões entre capital e trabalho e de estratégias de luta pela reprodução do capital e do traba-lho, bem como de práticas sociais organizadas que visam antagonicamentequer a manutenção do espaço social existente, quer uma transformação radicaldeste espaço.
4. O espaço socialmente produzido condensa em si desde a quotidianeidade do viver até a história, nele se mesclam marcas de tempos passados e persistem ecoexistem, conforme o caso, formas capitalistas e pré-capitalistas de produção.
Neste sentido não há como realizar uma interpretação materialista da históriasem uma concomitante interpretação do espaço social e vice-versa.
A produção do espaço social e os processos históricos e sociais não se desenro- lariam alheios entre si, mas num jogo de interação, oposição, contradição. Por con-seguinte, a estruturação do território poderia ser definida dialeticamente como umelemento substantivo das relações gerais de produção simultaneamente sociais eespaciais, necessária para o próprio processo de produção no arranjo dos territóriose na distribuição desigual e hierarquizada das classes sociais e das atividades pro-dutivas no espaço que levam a uma diferenciação social e espacial que contribui GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 para um desenvolvimento desigual e combinado em diferentes escalas, a nívelespacial e de relações de dominação.
Neste sentido a urbanização seria uma forma de estruturação do território, onde o peso dos lugares varia historicamente em função dos condicionantes e processossociais, econômicos, políticos, e por vezes culturais que tomam corpo. E a redeurbana seria a expressão cristalizada de diferentes estruturações do espaço em dife-rentes tempos históricos. Isso nos leva a adotar a concepção ampliada de urbanização, proposta por Giddens (1989), que a partir da compreensão de que o espaço não deve ser enten-dido apenas como algo (um continente) a ser preenchido por populações organiza-das social, econômica e politicamente, define a urbanização enquanto o processosocial de maior significância na estruturação do território. Soja amplia esta propo-sição ao afirmar que A urbanização pode ser vista como uma de várias grandes acelerações do distanciamento espaço-tempo . A especificidade do urbano é definida, pois, não como uma realidade separa-da, com suas próprias regras sociais e espaciais de formação e transformação, ou meramentecomo um reflexo e uma imposição da ordem social. O urbano é uma parte integrante e umaparticularização da generalização contextual mais fundamental sobre a espacialidade da vidasocial. Em sua.especificidade social, o urbano é permeado por relações de poder, relaçõesde dominação e subordinação, que canalizam a diferenciação regional e o regionalismo, aterritorialidade e o desenvolvimento desigual, e as rotinas e revoluções, em muitas escalasdiferentes. (SOJA, 1993).
A escala territorial da urbanização
A maioria das concepções de urbano e urbanização enfocadas converge para duas visões polares: o urbano enquanto lugar da reprodução da força de trabalho edas relações sociais no cotidiano que se expressam através do consumo; e o urbanoenquanto lugar da reprodução das relações sociais de produção na perspectiva dareprodução dos bens de produção.
Lefebvre, por sua vez, chama a atenção para o fato de que o urbano é o espaço onde se processam estas duas esferas de reprodução, que historicamente se conca-tenam em diferentes graus e intensidades conforme o estágio de desenvolvimentodas forças produtivas, concernente principalmente ao desenvolvimento do meio-técnico-científico. O território, todavia, não é apenas o continente destas relações;para Lefebvre o caráter espacial destas relações cria historicamente um espaçosocial que condiciona o desenvolvimento futuro destas relações.
Reflexões Sobre o Espaço, O Urbano e a Urbanização Durante o capitalismo competitivo o espaço urbano condensou e concentrou estas duas esferas de reprodução, dadas as limitações do meio técnico-científicoem termos de transportes e comunicações. Hoje, entretanto, pode-se observar atendência à separação crescente entre as localizações espaciais destas duas esferasde reprodução. (CASTELLS e HALL, 1994).
As transformações em curso e seus desdobramentos para a análise urbana
O problema que se impõe no presente é o teor das transformações na matriz espacial - temporal da organização social, empresarial e territorial decorrentes dasrevoluções informacional, genética e energética, que tendem a tornar nosso instru-mental analítico obsoleto e contribuem para gerar um novo paradigma que nosleva a considerar o urbano em escala territorial. A resultante fragmentação espacial de empresas e de grupos sociais articulados mediante a formação de novas redes dá margem ao surgimento de novas solidarie-dades e territorialidades, as quais incidem diretamente sobre a distribuição das ati-vidades produtivas e da população no território. No âmbito da distribuição das atividades produtivas, conduzem a uma reestrutu- ração horizontal e vertical da produção que resulta em uma reestruturação territo-rial, com uma abrangência da escala global à local. No âmbito da distribuição da população, contribuem para alterar substancial- mente as condições de vida de diferentes assentamentos em diversos pontos do ter-ritório, em função seja de sua localização estratégica frente às novas redes decomunicação e transportes, seja pela integração e/ou não integração aos fluxosempresariais e da produção.
Pode-se dizer que as transformações em curso representam novas estratégias para a acumulação e criam novas condições para a mobilidade do capital e novosobstáculos à mobilidade espacial da força de trabalho.
Análises recentes (Storper, Walker, Scott, Lipietz, entre outros) caracterizam a nova distribuição das atividades produtivas enquanto um dos fatores da reestrutu-ração territorial. Seu recorte analítico leva-as a privilegiar os aspectos e efeitos dareestruturação vertical (escala hierárquica de produção) e horizontal (amplitudeespacial) da produção nas empresas, nas relações de trabalho e seus desdobramen-tos espaciais (territoriais) através da terciarização, da formação de novas redesempresariais e das novas localizações. Dada sua ênfase na esfera da produção ecirculação, a maior parte destes trabalhos desconsidera o que acontece em termosda distribuição da população (trabalhadores urbanos, agrícolas, empresários, etc.).
GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 Condicionantes da estruturação territorial
As transformações sócio-espaciais na distribuição das atividades produtivas e da população, materializadas espacialmente enquanto formas de desenvolvimentourbano, em diferentes níveis e escalas, seriam resultantes tanto da lógica da açãodo Estado, de distintos capitais (empresas), entre eles o industrial, agro-industrial eem particular o imobiliário, quanto das estratégias de localização e distribuição daforça de trabalho.
Há que se considerar que na estruturação territorial - distribuição das atividades produtivas e da população (diferentes classes sociais) - interferem, além da açãodas empresas e das diferentes classes sociais, de distintas maneiras, três lógicasligadas à ação: do Estado, do setor imobiliário e da capitalização da agricultura,entre outras.
A ação destas lógicas isoladas ou combinadas, conforme a conjuntura e as espe- cificidades de cada lugar, tende a gerar um novo padrão de liberação da força detrabalho, que foge ao esquema clássico de proletarização total, característico dasetapas anteriores do capitalismo.
Os pequenos proprietários e trabalhadores “liberados” das relações tradicionais de produção ao invés de se dirigir, conforme o processo clássico, para as cidades ese assalariar em atividades urbanas, tendem a se ocupar em atividades rurais eurbanas e tornar-se uma força de trabalho sazonal dedicada tanto a atividades urba-nas quanto primárias. Contribuem, assim, para alterar o padrão de assentamentonas pequenas, médias e grandes aglomerações urbanas seja ao manter suas peque-nas propriedades seja ao tender a se localizar nas periferias urbanas ou em peque-nos aglomerados. (SANTOS, 1993).
A lógica do setor imobiliário acirra estes movimentos. A perspectiva de usos potenciais propicia a valorização do solo em áreas urbanas e rurais o que leva auma expulsão dos trabalhadores urbanos das cidades e dos trabalhadores rurais dasáreas agrícolas. Resulta daí tanto um aumento da população rural em áreas urbanassituadas em áreas onde a produção agrícola se capitaliza, quanto uma tendência atrabalhadores urbanos se radicarem em áreas rurais3 Tais movimentos estariam ligados a estratégias de sobrevivência e a mobilidade espacial da força de trabalho. Isto vai ao encontro da hipótese alternativa ao modeloclássico marxista de proletarização total e liberação repentina dos meios de produçãoe conformação de um exército industrial de reserva tipicamente urbano proposta porBecker (1988) a partir da análise dos processos espaciais na fronteira. Na atual etapado capitalismo e de conformação de complexos agroindustriais a mobilidade espaciale setorial do trabalho passaria a ser uma condição necessária para a constituição de 3 Processos descritos por BECKER (1982) e MACHADO (1982, pp. 182-183) para áreas de fronteirae por SANTOS, (1993) com relação às agrovilas.
Reflexões Sobre o Espaço, O Urbano e a Urbanização um mercado de trabalho regional na fronteira. Oliveira (1977) já assinalara a tendên-cia à fluidez do exército industrial de reserva entre as atividades rurais e urbanas.
O estudo da urbanização no atual momento, portanto, deve contemplar o papel da mobilidade do capital e do trabalho, na medida em que sua intensificação con-tribui para alterar a distribuição das atividades produtivas e das diversas classessociais no território.
A mobilidade do trabalho constitui-se, segundo Gaudemar (1976), em condição necessária, senão suficiente da gênese do capital e indício de seu crescimento;expressa na (re)produção da força de trabalho, em sua utilização no processo pro-dutivo, em sua circulação espacial e ocupacional, e em sua liberação que com-preenderia tanto a transformação do campesinato em trabalhadores assalariadosrurais e/ou urbanos quanto a constituição de camadas intermediárias. Configura-se,portanto, como fruto das estratégias de diversos agentes sociais, entre eles oEstado e as empresas, para moldar mercados de trabalho regionais.
A livre mobilidade espacial da força de trabalho e sua fácil adequação constitui- se em condição necessária à circulação do capital no espaço. Paradoxalmente, porpreferirem uma parcela da força de trabalho estável num território delimitado, oscapitalistas individuais tendem a apoiar ações estatais que restrinjam a livre mobi-lidade da força de trabalho (HARVEY, 1985).
As transformações recentes, a reengenharia industrial, acompanhada da moder- nização da agricultura aumentaram a mobilidade setorial e espacial do trabalho efragmentaram a estrutura de classes com uma ampliação da margem de pobreza.
Na atual conjuntura a existência de uma força de trabalho polivalente coloca um limite à proletarização total e torna-se condição necessária para a organização deum mercado de trabalho regional. A mobilidade espacial e setorial da força de tra-balho, concretizada em ocupações sazonais possibilita a complementação da rendados trabalhadores e permite compatibilizar a contradição entre a necessidade deatrair força de trabalho sem lhe dar legalmente a terra e a necessidade de dar a terrapara produção de alimentos (subsistência) e diminuir as tensões sociais.
Os trabalhadores para melhorar seus salários e condições de vida e trabalho podem se organizar coletivamente, construir suas próprias infra-estruturas sociais efisicas, lutar pelo controle do aparato de estado, e conforme obtenham sucesso veêm-se em condições de suportar restrições à livre mobilidade geográfica da força de tra-balho. Caso contrário, tenderão a buscar maximizar sua mobilidade espacial atravésde migrações. Em caso de sucesso das reivindicações dos trabalhadores em espaçosdelimitados, o capital tende a se evadir gradativamente e migrar para outras áreas.
Em síntese, frente às novas condições espaciais da produção os diversos capitais buscam maximizar suas respectivas mobilidades e tornar-se quase que independen-tes do espaço, enquanto os trabalhadores procuram maximizar sua mobilidadeespacial através de diferentes estratégias no âmbito das relações de trabalho e desobrevivência no cotidiano. Temos, assim, movimentos antagônicos, entre capital etrabalho e entre diferentes capitais, para maximizar suas respectivas mobilidades, GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 mediados pela ação do Estado em dotar o espaço de infra-estrutura (meios de abas-tecimento e comunicação).
Esferas de (re)produção e urbanização
Essas mobilidades traduzem-se em duas esferas de (re)produção voltadas para a satisfação das necessidades respectivamente do capital e da força de trabalho,ambos com diversas frações com distintas lógicas e movimentos, que se concreti-zam espacialmente na produção de distintos espaços de trabalho e vida, que atra-vessam a esfera de reprodução social no cotidiano.
A urbanização, assim, hoje, poderia ser compreendida como a concatenação e concretização espacial destes movimentos, de reprodução e distribuição das ativi-dades produtivas e da população, em disputa pelo espaço, que sob o capitalismotraduzem-se nas estratégias do capital e do trabalho para garantir suas respectivasreproduções. As diferenças de intensidade e de articulação entre estes processosvariam historicamente e conformam a estruturação da produção e do território. A urbanização, via de regra, é enfocada como resultante de um destes processos de reprodução, preferencialmente o da reprodução das relações de produção, quesão hegemônicas. Se estas esferas de (re)produção caminharam combinada e anta-gonicamente em um espaço comum durante o capitalismo competitivo, hoje háuma tendência a maximizar sua separação. O desenvolvimento do meio técnico-científico propicia que deixe de haver necessariamente uma coincidência espacial noterritório destas duas esferas, que tendem a se tornar independentes da aglomeração.
Estes movimentos conjugados às lógicas abordadas (do Estado, do capital imobi- liário e agro-industrial) e o desenvolvimento do meio técnico-científico, tendem agerar uma exclusão social e espacial dos trabalhadores e uma fragmentação do espa-ço que se expressa em uma diferenciação e especialização dos lugares a nível territo-rial, com cidades voltadas ou para a produção, o consumo ou a moradia. Parece-nos,portanto, que a conjugação destes dois movimentos (do capital e do trabalho) resultaem uma estruturação do território que atinge as velhas formas de urbanização.
A disseminação no território de relações espaciais e sociais de produção de caráter urbano - enquanto relações que o capital (entendido aqui enquanto um con-junto de diferentes capitais em disputa pela hegemonia) e o trabalho (entendidoaqui enquanto um corpo de diferentes categorias sociais) travam com o meio (oespaço) para garantir suas respectivas reproduções e necessidades - tende a confe-rir ao urbano uma amplitude territorial; isto é, uma amplitude que transcende(ultrapassa) aquilo que percebemos como “perímetro urbano”. O urbano poderia, assim, ser considerado não-simultaneamente tanto o lugar da reprodução das relações de produção, referentes aos bens e meios de produção,quanto o lugar da reprodução da força de trabalho.
Reflexões Sobre o Espaço, O Urbano e a Urbanização O confronto entre estas esferas é antigo, não se trata de resolvê-lo aqui. Para a análise da urbanização ser completa, deveria abranger estes dois movimentos.
Tomar em conta apenas o lado da produção significaria reduzir a urbanização auma determinação do econômico e atribuir a estruturação do território apenas àesfera da produção. O mesmo vale em contrapartida se considerarmos apenas osaspectos ligados à população. Entretanto não podemos desconsiderar a farta produ-ção teórica sobre a estruturação territorial do ponto de vista da produção. A nível do capital o urbano se espraia como novas formas de apropriação e ocupa- ção do espaço, que resulta em uma estruturação territorial da produção. A nível daforça de trabalho o urbano dissemina-se como um modo de vida, que tem por base oquadro de vida dos trabalhadores e sua efetiva inserção na produção e que conduz auma redistribuição territorial da população. A combinação desta estruturação e distri-buição transforma a face do território e engendra (nov)os padrões de urbanização.
Os lugares da urbanização
O entrelaçamento e encontro espacial das diferentes lógicas apontadas e dos movimentos das esferas de reprodução (de diversos capitais, por vezes em conflito,e de diversas classes e frações de classe sociais com interesses distintos) em con-fronto pelo espaço propicia o surgimento, em diferentes escalas, de pontos (luga-res) no território, o que vai ao encontro da proposição de Santos de que “cadalugar . é ponto de encontro de lógicas que trabalham em diferentes escalas, reve-ladoras de níveis diversos, e às vezes contrastantes .” (SANTOS, 1994).
Estes pontos (lugares) - através de suas interações ou não-interações e de seus desenvolvimentos variáveis, em uma rede espacial de pontos especializados hierár-quicos e multiestratificados - contribuem para a regionalização do território e dasociedade. Esta regionalização, segundo Giddens, “constituir-se-ia em torno dasconexões, tanto de interdependência quanto de antagonismo, entre a cidade e ocampo” (GIDDENS, 1989). conforme se configuram o que caracteriza como con-textos de co-presença, definidos por modos variáveis de interseção de presença eausência de integração social.
Consoante com esta perspectiva, os lugares poderiam ser considerados uma manifestação espacial da apropriação do espaço e da natureza pelo homem, que éinseparável da transformação da sociedade no tempo e no espaço; enfim, poderiamser entendidos como pontos de concentração de condições gerais.
Estes pontos tornam-se lugares ao permitirem que haja um entrelaçamento e aglomeração de atividades permanentes e estáveis que os tornem centrais, nodais,estratégicos, para as interações intra-territoriais e para as diferentes lógicas queestruturam o território em tempos históricos delimitados. Na escala intra-urbana,historicamente, os pontos predominantes da co-presença social (Giddens) seriamos lugares de residência e de trabalho. Se em contextos menos modernos esseslocais são concentrados em contextos mais avançados ou em transformação, ten- GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 dem a se distanciar e se separar, em escalas que vão do local ao territorial. Nestesentido estas localidades constituiriam a base da urbanização. Assim, As vilas e cidades podem ser descritas como localidades que abrangem contextos, recintos e concentrações nodais da interação humana, ligados à integração social e dos sistemas e,por consegüinte, a redes múltiplas de poder social. No contexto do mundo contemporâneo, alocalidade pode ir desde os menores povoados ou bairros até as maiores conurbações (SOJA,1993).
Estes lugares, pontos nodais, todavia, podem não se converter em aglomerações urbanas, e isto irá depender necessariamente dos graus e tipos de interações queestabeleçam entre si e outras áreas do território, em diferentes níveis e escalas. As escalas da urbanização
Giddens relaciona o espaço e a urbanização ao afirmar que “o espaço não é uma dimensão vazia ao longo da qual agrupamentos sociais vão sendo estruturados,mas deve ser considerado em função do seu envolvimento na constituição de siste-mas de interação” (GIDDENS, 1989). O espaço se transforma conforme se desen-volve o meio técnico-científico e modificam-se as formas de apropriação da natu-reza pelo homem. Em um determinado momento histórico temos a cidade limitadaà aglomeração física, e com uma identidade comum ao urbano. Todavia, concorda-mos com Giddens que Tais cidades, (.) não existem ainda no tempo e espaço mercantilizados. A compra e venda do tempo - como tempo-trabalho - é certamente um dos mais marcantes traços do capitalismomoderno. A mercantilização do tempo, engrenada aos mecanismos da produção industrial,põe por terra a diferenciação da cidade e do campo, característica de sociedades divididasem classes. Junto com a transformação do tempo, a mercantilização do espaço estabeleceum ´ambiente criado´ de caráter distinto - expressando novas formas de articulação institu-cional. Tais novas formas de ordem institucional alteram as condições de integração social edo sistema, e portanto modificam a natureza das conexões entre o próximo e o remoto notempo e no espaço (GIDDENS, 1985).
As transformações presentes do meio técnico científico, dos novos meios de comunicação e transporte, ao vencer o espaço pelo tempo favorecem uma crescen-te desaglutinação espacial de atividades e permitem uma separação de locais detrabalho, residência e consumo em uma escala mais ampla do que a cidade pro- Reflexões Sobre o Espaço, O Urbano e a Urbanização priamente dita. Tende a diminuir a necessidade de diversas pessoas trabalharemnum mesmo local para uma empresa funcionar, e o mesmo no concernente às suasmoradias. E tende a aumentar a dissolução entre o rural e o urbano. Ocorre uma especialização (separação) de lugares na escala do território com a multiplicação de núcleos dormitório, centros de consumo e centros de produçãonão necessariamente coincidentes e aglutinados. A urbanização, assim, tende a deixar de estar relacionada apenas à urbe, ao urbano, à cidade, à aglomeração de pessoas, equipamentos e infra-estruturas. Aurbanização tende a assumir uma forma pulverizada em segmentos dispersos econquista desta maneira fragmentada a escala do território - e passa a se referirtambém a processos gerais e sócio-econômicos no meio rural (se é que ainda hojepodemos falar de uma dicotomia rural-urbano).
O urbano torna-se “uma parte integrante e uma particularização da generaliza- ção mais contextual mais fundamental sobre a espacialidade da vida social, a deque ocupamos uma matriz espacial multiestratificada de locais nodais” (SOJA,1993). e passa a estar relacionado a um modo de vida, enquanto quadro e condiçãode vida (inserção no processo produtivo), não na acepção restrita de Wirth, e simnuma acepção mais ampla, onde não só a cultura mas outros fatores sociais, econô-micos, políticos e espaciais interferem nas relações que os homens travam entre sie o meio em que vivem. A aglomeração não deixa de ser importante, porém, suapermanência dependerá do desenvolvimento do meio técnico-científico e dastransformações das relações de trabalho e de vida.
Neste sentido concordamos com a proposição de Santos de que: Estaríamos, agora, deixando a fase da mera urbanização da sociedade, para entrar em outra, na qual defrontamos a urbanização do território. A chamada urbanização da sociedadefoi o resultado da difusão, na sociedade, de variáveis e nexos relativos à modernidade do pre-sente, com reflexos na cidade. A urbanização do território é a difusão mais ampla no espaçodas variáveis e dos nexos modernos (SANTOS, 1993).
As cidades seriam, neste contexto, mais que um meio físico, aglomerações nodais especializadas, socialmente criadas, parte de um sistema multiestratificadode pontos nodais e de uma configuração raras vezes hierárquica de locais diferen-ciados, cujas formas e funções variam tanto no tempo quanto nos lugares.
Se as cidades como as conhecemos tendem a desaparecer, se a organização espacial da população e das atividades produtivas está em transformação em todasas escalas em diversos pontos, isto resultaria no surgimento de novos padrões deassentamento e distribuição da população e das atividades produtivas, ou seja, denovos padrões de urbanização.
GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999 REFLEXÕES SOBRE O ESPAÇO, O URBANO E A URBANIZAÇÂO
Resumo: Trata-se de discutir se a urbanização é passível de ser compreendida como parte do
processo geral de estruturação da sociedade e do território. Um processo onde as desigualdades soci-ais e espaciais conjugadas à mobilidade espacial e setorial do trabalho contribuem para alterar o ter-ritório. Este processo que cria fixos e fluxos tem uma resultante espacial em duas escalas: a cidade,na escala dos lugares; e a rede urbana, enquanto a manifestação espacial da cooperação entre lugares,na escala territorial. Isto não significa dizer que a urbanização em si é um determinante maior oumenor, mas um produto de práticas socais que interage com outros fatores na construção do espaçosocial além das cidades.
Palavras-chave: Urbanização, Reprodução espacial, Reestruturação REFLECTIONS ON SPACE, URBAN AND URBANIZATION
Summary: Our goal is to argue whether the urbanisation could be understood as a part of society
and territory general structuring process. A process where the social and spatial inequalities articulat-ed to spatial and sectorial mobility of labor contribute to transform the territory. This process thatcreates fix and flows has an spatial outcome in two scales: the city at the place scale and the urbannetwork, as a spatial manifestation of the cooperation among places, at the territorial scale. Notmeaning that urbanization by itself is a major or minor determinant, but a social practices product,which interacts with other factors on the construction of social space beyond the cities.
Keywords: Urbanization, Space reproduction, Restructuring BIBLIOGRAFIA
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Source: http://www.geoideias.com.br/artigos/refespacourbano.pdf

De sordos, caras duras y mentiras de patas cortas

DE SORDOS, CARAS DURAS Y MENTIRAS DE PATAS CORTAS Un socio de FECRA al leer la editorial anterior, mandó un correo a nuestra sede que decía: Comparto el diagnóstico: ¿como nos curamos? En principio, modificar el pensamiento de un gobierno ocupado en hacer “caja” y que piensa que las estaciones de servicio si bien están mal, todavía resisten.- No se hace con risperidone o memantina. N

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