working paper #19 A HISTÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES: UMA NARRATIVA BRASILEIRA Bruno G. Bernardes
O Partido dos Trabalhadores atravessou um período de profundas
transformações organizacionais e ideológicas, o que coincidiu com a vitória nas
presidenciais de 2002. Até esse ano, a sua história demonstra de que forma as
lutas internas entre tendências ajudariam a recriar um partido institucional e
ideologicamente centralizado, ou seja, tudo aquilo que paradoxalmente
criticou desde o início. Desta forma, argumenta-se que o Partido dos
Trabalhadores acompanhou os processos históricos que moldaram ideológica
e institucionalmente os partidos brasileiros.
A política comparada na América Latina encontra dificuldades de integração.
Se, por um lado, surge o interesse pelos estudos de área, por outro enfatiza-se
as diferenças entre sub-regiões1, dando azo à proliferação de modelos e
discursos diferenciadores. Para o caso do estudo dos partidos e sistemas
partidários latino-americanos, Kitschelt et al.2 considera que estes
demonstram sinais de consolidação e institucionalização como aqueles
encontrados nas democracias mais antigas. No entanto, considera também que
os sistemas partidários apresentam, por um lado, elementos e dinâmicas
próprias que os diferenciam dos europeus e, por outro, entre eles. Este jogo
entre similitudes e distinções radica na relação entre o método comparativo e
os estudos de caso. Se no início do debate acerca dos modelos comparados proliferaram os
métodos quantitativos3, nos últimos anos a metodologia tem tentado integrar
as micro-realidades no macro, reconhecendo o papel dos indivíduos e do
individual nas estruturas históricas4. O que estes estudos demonstram é que a
inclusão do estudo de caso nas ciências sociais e particularmente na ciência
1 Patrício, Raquel (2012). Estudos de Área: América Latina. Lisboa: ISCSP.
2 Kitschelt, Herbert, Hawkins, Kirk A., Luna, Juan Pablo, Rosas, Guillermo e Zechmeister,
Elizabeth J. (2010). Latin American Party Systems. Cambridge: Cambridge University Press.
3 Lijphart, Arend (1971). “Comparative politics and the comparative method”. The Americanpolitical science review. Vol. 65, n. 3. 682-693.
4 Mahoney, James e Rueschemeyer, Dietrich (2003). Comparative historical analysis in the
social sciences. Cambridge: Cambridge University Press. working paper #19
política, radica nas alterações epistemológicas e ontológicas que tornam os
estudos cada vez mais contextuais, relativistas e generalizáveis5. Seguindo
Franzese6, estamos num plano em que literalmente “tudo causa tudo”, cabendo
ao investigador selecionar um método e dele extrair o que de melhor tem, sem
nunca esquecer as suas limitações. Se é verdade que o estudo de caso sugere
um retorno à lógica explicativa da historiografia a partir da análise de
mecanismos causais, também é verdade que a pesquisa em ciências sociais tem
evoluído no sentido de cruzar diferentes métodos e perspetivas7. Desta forma,
importa utilizar o melhor dos dois mundos, para que não se esqueçam os
contributos contextuais locais e o contexto regional e internacional. Tal como
considera Schmitter “we have to take the world as it is, observe its myriad
similarities and differences and, then, infer patterns of causality from
simultaneous or time-lagged occurrences.”8Na América Latina viveram-se períodos de enorme agitação política e
consequentes golpes militares e intervenções externas. No Brasil, o passado de
intervenção militar foi originado pela desconfiança das elites e de alguma
classe média pelos movimentos populares e sociais. Daqui resultaram
preconceitos metodológicos e teóricos que radicam nas teorias da
democratização na América Latina que, por exemplo, se focaram demasiado
nas elites, esquecendo os movimentos sociais9; é por causa dessa herança
teórica que outros autores identificam os sistemas partidários e os partidos
latino-americanos como dispersos, em vias de consolidação, fragmentados ou
desligados de uma base social10. Estas perspetivas puseram em causa a
capacidade das elites, dos novos partidos e dos movimentos sociais gerarem
dinâmicas democráticas11, sendo complacentes com os regimes autoritários.
Neste sentido, prefiro entender as alterações nas organizações partidárias
como resultantes da relação com o Estado e com o contexto político-social12.
5 Dogan, Mattei (2002). “Strategies in comparative sociology”. Comparative sociology, vol. 1. n.
1. 63-92. Flyvbjerg, B. (1997). The Aalborg study: case selection and data collection. Aalborg:
Aalborg University. Ruddin, Lee Peter (2006). “You can generalize stupid! Social scientists,
Bent Flyvbjerg and case study methodology”. Qualitative inquiry, vol. 12. n. 4. 797-812.
6 Franzese Jr., Robert J. (2009). “Multi-causality, context-conditionality, and endogeneity”, in
Stokes, Susan C. e Boix, Carles, The Oxford handbook of comparative politics. Oxford: Oxford
7 George, Alexander L. e Bennett, Andrew (2005). Case studies and theory development in thesocial sciences. Cambridge: Harvard University.
8 Schmitter, Philippe (2006). The nature and future of comparative politics. Florence: EUI.
9 Geddes, Barbara (2001). “O que sabemos sobre democratização?” Opinião Pública, vol. VII, nº
10 Mainwaring, Scott (1999). Rethinking party systems in the third wave of democratization: thecase of Brazil. Stanford: Stanford University Press.
11 Di Tella, Torcuato S. (2004). History of political parties in tewntieth-century Latin America. working paper #19
Aplicando este argumento ao presente cabe-nos evidenciar que padrões
resultam da análise da história do PT desde a sua fundação até ao segundo
governo Lula (2006-2010), tendo em conta, por um lado, os padrões regionais
e internacionais e, por outro, as especificidades da sua institucionalização,
enquanto organização partidária e agremiação ideológica. Estes padrões
referem-se a associações entre a literatura ocidental sobre partidos,
organizações partidárias e evoluções ideológicas e a literatura sulista. Já as
diferenças refletem o espaço próprio da América Latina13 e, mais
especificamente, a tradição brasilianista, como contributos na construção de
HISTÓRIA E TEORIA DOS PARTIDOS: ESTADO DA ARTE E INCLUSÃO SULISTA A evolução da teoria dos partidos depende, em grande medida, das teorias da
democratização não só porque a emergência dos partidos corresponde à
emergência da democracia, como também a sua institucionalização
acompanhou momentos de abertura democrática como o sufrágio universal. A
América Latina não é excepção, tendo sido das primeiras regiões onde
surgiram organizações partidárias. No entanto, a estabilidade democrática na
Europa central e do norte, na América do Norte e no Japão tornou estas regiões
excelentes laboratórios para o estudo do fenómeno partidário. Daí que os
modelos de partidos se tenham focado na consolidação democrática e na
convergência centrista das clivagens eleitorais14 como fatores de mudança
organizacional. Os diferentes modelos de partidos contaram com os contextos
políticos da sua época e com as exigências da governação, do eleitorado e do
pensamento ideológico. Isto é o que parece indicar Duverger quando considera
que a emergência dos partidos de massas deveu-se às exigências do sufrágio
universal e às clivagens sociais suscitadas na época, pondo em causa os
partidos de notáveis e de quadros15. As identidades políticas construídas pelos
partidos de massas ajudariam a institucionalizar uma dinâmica fechada de
competição partidária. No entanto, logo na década de 1970 Otto Kirchheimer
identificava um novo modelo organizacional ao qual deu o nome de “catch-all”.
Tal como Duverger, Kirchheimer pôs em evidência um novo contexto
democrático onde deixaram de proliferar as clivagens sociais e económicas, o
que permitiu aos partidos mobilizar transversalmente um maior número de
13 Kitschelt, Herbert et al. Op. Cit. p. 2. Patrício, Raquel, op. Cit. pp. 22-27.
14 Bernardes, Bruno (2012). “O caminho do meio ou o princípio da incerteza: diálogos ao
centro entre esquerda e direita” in Correia, Victor. A dicotomia política esquerda-direita: aproblemática da sua validade e atualidade. Lisboa: Fonte da Palavra.
15 Jalali, Carlos (2009). Partidos e democracia em Portugal (1974-2005). Lisboa: ICS. Mair, Peter
(ed.) (1990). The west European party system. Oxford: Oxford University Press. Teixeira, Maria
Conceição Pequito (2009). O povo semi-soberano: partidos políticos e recrutamento
parlamentar em Portugal. Coimbra: Almedina. working paper #19
eleitores, enquanto se diluiu a organização interna com o reforço das
lideranças16. O aparecimento dos partidos catch-all acompanha o que a escola
de Leiden classifica como a oposição entre a origem social e institucional dos
partidos17 e o “equilíbrio de competição” dos sistemas partidários18. É neste
debate que Katz e Mair avançaram com o modelo de partido cartel, um tipo de
organização completamente institucionalizada, virada para o Estado e para a
conquista e perpetuação nas estruturas de poder. Na literatura brasileira estes modelos têm sido incorporados de forma a se
entender a evolução histórica dos partidos, sempre com o duplo intuito de
introduzir o Brasil na realidade democrática mundial e trazer elementos
diferenciadores. Não é por acaso que no início da virada democrática, Afonso
Arinos de Melo Franco19considera que “manter a democracia significa para o
Brasil, cultivar e robustecer a instituição dos partidos, que tão dificilmente se
afirmou e progrediu”. Em 1981 já David Fleischer apelava para a proliferação
de estudos de caso regional de forma a evidenciar e aprofundar diferentes
contextos sociais e políticos20. Tal como considera uma parte significativa da
literatura brasileira, o enfoque na falta de tradição partidária21 e a importância
das elites são vistas como obstáculos à consolidação dos partidos. Seriam os
contributos da escola sociológica brasileira22 que estabeleceriam a tradição da
visão de dependência da sociedade face ao Estado, o que se repercutiria nos
partidos e nos tipos de mobilização política e social23. Nesse sentido, Fernando
“nunca, entretanto, nem no auge dos momentos anteriores de mobilização, pode-se
dizer que os partidos se tenham aberto à participação e ao controlo das massas. Mais
tarde, nem sequer a participação simbólica através das lideranças carismáticas ou a
momentânea, nos grupos e eleições, foi encorajadora.”24
16 Lisi, Marco (2009). A arte de ser indispensável. Líder e organização no partido socialistaportuguês. Lisboa: ICS. Mair, Peter, op. Cit.
17 Van Biezen, Ingrid (1998). “Sobre o equilíbrio interno do poder: as organizações partidárias
nas novas democracias”. Análise social, vol. XXXIII (148), 685-708.
19 Franco, Afonso Arinos de Melo (1974). História e teoria dos partidos políticos brasileiros. 3ª
edição. São Paulo: Editora Alfa-Omega.
20 Fleischer, David (Org.). Os partidos políticos no Brasil. 2 vols. Brasília: Editora Universidade
21 Lewis, Paul e Pridham, Geoffrey (1996). Stabilising fragile democracies. Political parties andthe transition to democracy. London: Routledge.
22 Entre outros: Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Hollanda, Florestan Fernandes e Victor
23 Souza, Maria do Carmo Campello de (1976). Estado e partidos políticos no Brasil (1930-1964).
24 Cardoso, Fernando Henrique (1981). “Os partidos políticos e a participação popular” in
working paper #19
No entanto, as novas instituições democráticas alteraram a visão politológica
sobre a mobilização partidária e a estrutura do sistema partidário. Maria
D’Alva Kinzo25 considera que os partidos brasileiros sucumbem ao poder
personalista dos candidatos. Um exemplo disso foi o apoio que o candidato
presidencial Enéas Carneiro obteve em 1994 em São Paulo e Rio de Janeiro,
coisa que não se repetiu para o seu partido, o PRONA, para a Câmara dos
Deputados. No entanto, o próprio caso de Enéas demonstra de que forma os
apoios locais e estaduais são importantes para fidelizar determinados
candidatos. Fenómenos como a migração partidária, a complexidade do sistema eleitoral,
as lideranças carismáticas e personalistas e os apoios estaduais, apelam para
uma visão mais aberta e inclusiva do fenómeno partidário brasileiro para além
da comparação dos índices de volatilidade eleitoral26. Como considera Kinzo27,
o baixo índice de identificação partidária está correlacionado ao baixo nível de
educação e à complexidade dos mecanismos de competição eleitoral o que,
agravado pelas enormes clivagens entre camadas sociais, reafirma um divórcio
entre a classe política e a sociedade civil, o que é aliás exposto nos fracos laços
partidários. Jairo Nicolau e Rachel Meneguello28 consideraram que a
fragmentação partidária é um elemento importante para contrabalançar o
poder do Presidente através das coligações que este é obrigado a fazer no
legislativo e no executivo. Jairo Nicolau chega a considerar que nas eleições de
1994 já existem elementos para uma consolidação sistémica em torno de sete
partidos. Na mesma linha, Leôncio Martins Rodrigues29 conclui a existência de
um quadro de mobilização partidária ideologicamente definida, tanto na
disposição social do voto como na caraterização social dos deputados da
Câmara de 1998. Torcuato Di Tella30 considera que é necessária a integração do discurso
desenvolvimentista para se entender os partidos latino-americanos. Este
debate tem sofrido alterações no início da década passada com a chegada ao
poder de outras classes socioeconómicas e a consolidação de governos de
esquerda e centro esquerda31. Esta “reviravolta ideológica” corresponde ao
fracasso do “modelo do internacionalismo liberal associado à globalização” e a
25 Kinzo, Maria D’Alva (2004). “Partidos, eleições e democracia no Brasil pós-1985”. Revistabrasileira de ciências sociais. 19 nº 54.
26 Bernardes, Bruno (2011). Catch-all parties and social policies between transition andconsolidation: the Portuguese and Brazilian cases in comparative perspective. Stockholm
28 Nicolau, Jairo (1996). Multipartidarismo e democracia: um estudo sobre o sistema partidáriobrasileiro, 1985-1994. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. Meneguello, Rachel, op. Cit.
29 Rodrigues, Lêoncio Martins (2002). “Partidos, ideologia e composição social: partidos,
ideologia e composição social”. Revista brasileira de Ciências Sociais., vol.17, no. 48, 31-47.
31 Patrício, Raquel, ibidem, pp. 235-237. working paper #19
uma progressiva integração de “continuidades instititucionais” e de políticas
liberais nos partidos de esquerda no poder32. No entanto, e como frisa Malamud, não se pode falar de uma viragem à
esquerda visto que estes governos não possuem coerência ideológica entre si.
Esta falta de coerência não é caraterística da América Latina mas da própria
natureza das divergências/convergências ideológicas ao longo da história. No
entanto, estas ganham caraterísticas próprias nesta região. Tal como as ideias
económicas encontraram autonomia autóctone33, as ideologias políticas se
bem que de origem ocidental acabaram por ter expressão e confluências
próprias dos Estados e das relações de poder nele gerados tanto à margem
como no epicentro. A multiplicidade de movimentos e polarizações
produziram uma mescla de movimentos e partidos que desde cedo abraçaram
ideologias tão contrárias como se viu, por exemplo, no Varguismo. No caso brasileiro, a escola sociológica teve outra vez um importante
contributo. Desta forma, Cardoso escrevia que, “os grandes partidos persistiam
metamorfoseando-se em organizações incrustadas no aparelho de estado para
fazer o intercâmbio típico do sistema clientelístico (…) Foi através desta
mescla entre eleitoralismo – às vezes populista – e clientelismo estatal que os
partidos políticos sem cunho ideológico sobreviveram.”34 Seguindo este
raciocínio, Maria Campello de Souza35 considerou que historicamente os
partidos brasileiros tendem a concentrar-se no “vasto centro”, não querendo
nunca fidelizar-se ideologicamente para não perder eleitorado. Não é por acaso
que ainda antes da transição democrática, Fleischer e Wesson36 considerem o
PMDB como uma agremiação sem ideologia institucionalizada, um partido
virado para a conquista do Estado. No entanto, e como argumentarei ao longo
deste artigo, de forma a entender-se os partidos brasileiros é necessária uma
visão sincrética e plural capaz de produzir modelos autóctones. Isto é o que a
GÉNESE E INTEGRAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES
O PT nasce a par dos movimentos sociais e sindicalistas opositores à ditadura
militar. Não é por acaso que o seu arranque simbólico tenha lugar no ABC de
São Paulo, região industrial com os índices de sindicalização mais altos do
32 Malamud, Andres (2009). “Fragmentação e divergência na América Latina”. RelaçõesInternacionais, Dezembro, nº 24. p.63.
33 Love, Joseph L. (1994). “Economic ideas and ideologies in Latin America since 1930” in
Bethel, Leslie (ed.), The Cambridge history of Latin America, vol. 6 Part 1. Cambridge:
34 Cardoso, Fernando Henrique, op. Cit. p. 48.
35 Souza, Maria Campello de, op. Cit.
36 Fleischer, David e Wesson, Robert (1983). Brazil in transition. New York: Praeger. working paper #19
Brasil37. No entanto, o PT não é apenas um partido de sindicalistas pois desde
cedo integrou diferentes movimentos políticos, sociais e religiosos38. Esta
integração pluralista demonstra desde logo um problema de definição
ideológica que é intrínseco ao partido. Esta indefinição prende-se com a
história e organização territorial do Brasil. Gerir um partido de cariz nacional
está dependente das múltiplas sensibilidades locais, lideranças, movimentos,
organizações e diferentes apelos de mobilização política; como é óbvio o PT
não esteve nem está livre destas variáveis. Quando em 1979 o regime militar só admitiu a competição eleitoral de
organizações com a denominação “partido”, o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) que até então tinha agremiado diferentes grupos e
sensibilidades políticas opositoras ao regime39 passa a designar-se Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Grupos que integravam o MDB
logo formariam partidos novos, não querendo integrar-se no PMDB que cedo
se tornaria um partido clientelar de transição e ligação ao regime anterior. No
caso do PT, além da importância de ex-emedebistas, podemos apontar pelo
menos mais cinco fontes ideológicas e organizacionais: o novo sindicalismo, os
movimentos influenciados pela teologia da libertação, intelectuais de diversas
origens, militantes trotskistas e grupos integrantes da luta armada à
ditadura40. A “capilaridade social” dos movimentos sociais nas “periferias das
grandes e médias cidades e nas áreas de conflito rural” constituem o que André
Singer considera a base de um partido ideológico “consolidado em torno de
interesses organizados, de intelectuais e da classe média urbana
progressista”41. A originalidade do PT no cenário partidário brasileiro não tem
que ver com a sua natureza de partido de massas mas com o cruzamento
específico de movimentos, organizações e individualidades42. O legado do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do período parlamentar (1946-1964)
teriam um impacto enorme na organização de massas com aspirações
originais, multiclassistas e ideologicamente transversais. A fundação do PT em
1980 no colégio Sion em São Paulo, enfatizou, por um lado, o desligamento do
partido face ao socialismo soviético e, por outro, o afastamento do populismo
da experiência multipartidária de 1946. Ambas as caraterísticas remetem para
a consciência que pela geografia eleitoral do Brasil e pela integração
multiclassista, o PT não poderia ser uma agremiação centralizada. Como
considera Secco, “o PT nasceu num solo histórico caraterizado pela dispersão,
pelas lonjuras fatigantes, pelas dificuldades de comunicação e por violências
37 Fausto, Boris (2007). História do Brasil. 12ª edição. São Paulo: Edições Universidade de São
38 Secco, Lincoln (2011). A história do PT. São Paulo: Ateliê Editora. pp. 43-49.
39 Fausto, Boris, op. Cit. pp. 506-507. Fleischer, David, op. Cit.
41 Singer, André (2010).”A segunda alma do partido dos trabalhadores”. Novos Estudos,
42 Secco, Lincoln, ibidem. pp. 31-33. working paper #19
assustadoras.”43. No entanto, cedo confluíram solidariedades locais, familiares
e tendências ideológicas que colocaram o PT na rota das narrativas políticas
brasileiras. Logo entre o segundo Encontro Nacional (1982) e o terceiro (1984), os núcleos
locais perdem influência sobre as unidades distritais e estaduais e em 1984 as
alas moderadas do partido acabariam por rejeitar propostas de
empoderamento dos núcleos, negando desta forma o objetivo ideológico e
organizativo inicial de dar poder aos militantes de base. Aliás esta luta interna
e organizativa entre um partido ideológica e geograficamente plural mas
organizativamente centralizado corresponde a uma tentativa de um grupo não
estritamente organizado de controlar o partido e pragmatizar a sua ideologia.
Não é por acaso que logo após ter sido aclamado o direito às tendências
internas em 1990, a Articulação fundada em torno de Lula e contando com
homens de sua confiança como José Dirceu, tenha dominado as “teses guias”
que saíam dos encontros nacionais. Desta forma, a par da multiplicidade
ideológica, o PT viveu desde a sua fundação um conflito entre centralização e
descentralização institucional. Tal como refere Secco, “o militante participava,
no fundo, de dois partidos e tinha duas camisas”44. Enquanto centros de
formação política, as tendências ajudariam o partido a manter a sua natureza
multi-ideológica. Esta reorganização interna aconteceria durante a campanha
“diretas já!”, quando o PT seria ofuscado pelo PMDB. Isolado depois pelo Plano
Cruzado (1986) e pela “aversão às alianças amplas”45, a estrutura interna do
partido saída do quinto encontro nacional (1987) procura já ultrapassar a
natureza de massas do PT, trabalho esse que é encabeçado pelo pragmatismo
da Articulação. Como considera Lincoln Secco, a Articulação passaria a
defender a “necessidade de se organizar para enfrentar a esquerda”,
ultrapassando as várias tendências a partir da centralização e de uma
A ASCENÇÃO AO EXECUTIVO NACIONAL
Ensombrada pela queda do muro de Berlim, a campanha presidencial de 1989
opôs no segundo turno Lula e Collor de Melo. A ironia da vitória de Collor é que
a chamada campanha “anti-Lula” partiu de argumentos que contrariam a
própria história do PT. Tendo sido conotado com o sovietismo e com um
radicalismo unívoco, Lula e o PT foram incapazes de ultrapassar
eleitoralmente as consequências desta mitologia. Mesmo tendo descartado as
palavras “socialismo” e “imperialismo” do programa económico, o discurso
mais amplo produzido na campanha de 1989 demonstra que se procurou
separar pela primeira vez o lulismo do petismo, coisa que não deixava de
interessar a membros da Articulação que queriam centralizar o partido, e a
43 Idem, ibidem, p. 76.
44 Idem, ibidem, p. 100.
45 Idem, ibidem, p. 118. working paper #19
membros das tendências que alimentavam o espírito de pluralidade
intrapartidária. Este argumento parece ir ao encontro da multiplicidade
ideológica do PT, visto que este “nunca teve um congresso como o do SPD
alemão em Bad Godsberg para renegar o marxismo”. Desta forma, a sua
transformação organizativa e ideológica (quero dizer do seu discurso final ou
das “teses guia”), “se deu de forma molecular especialmente durante os dois
mandatos de Fernando Henrique Cardoso”46. O período que vai de 1989 a 2002 é, grosso modo, de recalibramento
ideológico e consolidação e socialização face ao sistema partidário. A
consolidação da Articulação e do lulismo foram os grandes fatores que
contribuíram para este recalibramento, o que equivale à alteração da
mobilização eleitoral. Este período de “oposição parlamentar” viu, logo no
início da década de 1990, um debate contra o marxismo47, pese embora o
debate interno não tenha abalado a institucionalização de uma oposição
petista que ultrapassou partidos à sua esquerda, enquanto negava a adoção
dos princípios social-democratas. Isto é o que acontece já no VII Encontro
Nacional onde a tese guia vencedora da Articulação defendia um “socialismo
que fosse produto da radicalização da democracia”48. No entanto, e tal como
argumenta Lincoln Secco, o PT continuou a não fixar-se ideologicamente. Neste
sentido, venceria a tese sincrética espelhada na Articulação, tese essa que não
só acompanha a história ideológica brasileira. A consolidação e socialização do PT face ao sistema partidário ditam a
adaptação do partido às exigências da estratégia de oposição e de alianças
durante este período. Se não existem dúvidas dentro do PT em relação ao
impeachment de Collor, o mesmo já não acontece no apoio às políticas de
Itamar Franco, especialmente em relação ao Plano Real. Alguns queriam
participar no governo e Luiza Erundina, antiga prefeita de São Paulo, chegou a
fazê-lo o que lhe custou a expulsão do partido. Não é pois por acaso que a
Articulação de Esquerda e já não a Articulação ganhasse as eleições internas no
VIII Encontro Nacional. Esta vitória seria uma oportunidade para a Articulação
aprender mais sobre a dinâmica interna do PT ao mesmo tempo que Lula e o
seu círculo ganharam autonomia própria. Face à aproximação social-
democrata e liberal-social do PSDB, as lutas entre as correntes pragmáticas,
muitas delas com raízes nas administrações municipais petistas e a direção
esquerdista, levaria o partido a aprovar no IX Encontro uma política de
centralização, subordinando as bancadas parlamentares “às decisões da
direção partidária”49. No entanto, estas alterações organizacionais e a
campanha de Lula não foram capazes de vencer a galvanização do Plano Real
ao qual Fernando Henrique Cardoso estava intimamente ligado.
46 Idem, ibidem, p. 25.
49 Idem, ibidem, p. 171. working paper #19
Outras transformações organizacionais ditam a nova natureza do PT entre o
primeiro mandato de Cardoso e a vitória eleitoral de 2002. Transformações
que, no meu entender, acompanham a natureza do sistema partidário e as
alterações políticas do sistema político brasileiro. Por um lado, a
profissionalização política e o abandono de militantes voluntários prepara o PT
para lutas internas desideologizadas e baseadas em nomeações políticas, ao
mesmo tempo que a institucionalização das eleições diretas assenta o tapete
para a hegemonia de José Dirceu. Tal como nos diz Lincoln Secco,
“sacramentava-se uma dupla que Lula há muito procurava. Alguém que
pudesse domesticar o PT enquanto ele se dedicava às ruas.”50 Estas
transformações correspondiam à necessidade que as tendências pragmáticas
tinham de moderar o discurso petista, tornando-o mais próximo da social-
democracia51. Pensavam estes que os tempos de partido de massas radical
deveria dar lugar a um partido de discurso amplo capaz de galvanizar não só a
classe média urbana e escolarizada como parte da elite que não se revia no PT
desde 1989. Esta parece ser a estratégia seguida entre 1998 e 2002 quando
Lula e o PT parecem ser uma e a mesma coisa. Seguindo este raciocínio, André
Singer considera que o lulismo percebera que a galvanização eleitoral das
classes médias urbanas mais escolarizadas teria de ser acompanhado pela
“normalização” do discurso, o que levaria à aliança com o Partido Liberal e à
Carta ao Povo Brasileiro52. O discurso moderado e alargado permitiu a vitória
em 2002, onde o voto do PT para o legislativo acompanha o voto de Lula; onde
a aceitação das políticas económicas de Fernando Henrique Cardoso culmina
com a adoção das novas leis da finança internacional; onde, após o controlo
centralizador de José Dirceu e a profissionalização política, o PT finalmente
atinge o epíteto de partido catch-al ; onde o partido reconhece
estrategicamente as forças que lhe tinham sido alheias desde 1989. No entanto,
ficam ainda de fora as classes mais desfavorecidas, as mesmas que até 2006
tinham em toda a história do Brasil preferido apoiar partidos conservadores.
Não é por acaso que logo após a derrota nas presidenciais de 1989, Lula tenha
dito que “a verdade nua e crua é que quem nos derrotou, além dos meios de
comunicação, foram os setores menos esclarecidos e mais desfavorecidos da
sociedade”53. É esta alteração no sistema partidário operada pela estratégia
governativa de Lula que definiria a separação entre o lulismo e o petismo. LULISMO E PETISMO OU AS DUAS FACES DO PT NO GOVERNO O primeiro mandato de Lula (2002-2006) teve o dom de prosseguir as políticas
económicas dos dois governos anteriores (1994-2002), consolidando-as mas
51 Samuels, David (2004). “From socialism to social-democracy? The evolution of the Workers’
Party in Brazil”. Comparative Political Studies, 37:9, pp. 999-1024.
52 Singer, André (2009). “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”. Novos Estudos, 85. p. 90.
53 Idem, ibidem, p. 87. working paper #19
incluindo um Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) que lançaria, entre
outros, o famosíssimo Programa Bolsa Família54. No entanto, todo o trabalho
desenvolvido pelo governado liderado por Lula e pelo PT só teve razão de ser
porque o partido tinha, ainda antes de 2002, atingido o nível de organização
mais centralizado da sua história. Não é por acaso que Lula reconhece José
Dirceu como o seu braço direito no governo depois de este ter transformado o
partido, galvanizando a vitória eleitoral. A par desta centralização, surge uma divisão que toma corpo no governo e na
mobilização eleitoral; essa é aquela que divide lulismo e petismo e que ganha
expressão simbólica com a Carta ao Povo Brasileiro. No entanto, os resultados
eleitorais de Lula na presidência e do PT no legislativo diluem as contradições
entre os dois movimentos. O encontro entre o estrato social e escolar dos
votantes e a distribuição geográfica entre a eleição de Lula e dos deputados
petistas é bastante aproximada55; já para a reeleição de 2006 o cenário não se
repete, o que leva André Singer a falar de um realinhamento eleitoral entre as
eleições. Este realinhamento corresponde a uma alteração geográfica,
ideológica e sociológica do voto em Lula. Na reeleição, Lula atinge os estratos
mais pobres, tornando-se um símbolo da ascenção socioeconómica do Brasil.
Não seria apenas a governação que alteraria este cenário, mas também o
mensalão que, desertificando os apoiantes mais diretos de Lula como Dirceu,
leva o presidente a isolar-se do PT e a utilizar a sua força de mobilização social
e eleitoral entre as classes mais pobres. Ao alterar o tipo de mobilização
eleitoral, Lula e o lulismo separam-se claramente do PT e do petismo,
revisitando fenómenos históricos como o varguismo. Desta forma, a perda dos
setores da classe média e das pessoas mais escolarizadas seria compensada
pelo conservadorismo dos mais pobres, tal como o voto da esquerda seria
compensado pelo crescimento do voto centrista e direitista. Paralelamente ao crescimento do voto entre as classes mais pobres, Lula
consegue pela primeira vez na história do PT garantir forte apoio no Nordeste
em 200656. Juarez Guimarães resume magistralmente esta dinâmica ao dizer
que “o PT tornou-se nos últimos anos mais nacional, mais brasileiro, mais
sertão, mais samba, mais negro, mais nordestino e mais amazônico, mais
agrário”. Desta forma, Lula e o lulismo mergulharam no pragmatismo,
seguindo o seu “grupo dominante” desde finais da década de 198057. É este
pragmatismo equilibrista entre a política económica (o BNDES e o apoio à
internacionalização de empresas) e o desenvolvimento social que permite a
55 Hunter, Wendy e Power, Timothy (2007). “Rewarding Lula: executive power, social policy,
and the Brazilian elections of 2006”. Latin American Politics and Society, vol. 49, nº 1.
56 Jacob, Cesar Romero, Hees, Dora Rodrigues, Waniez, Philippe e Brustlein, Violette (2009). “A
eleição presidencial de 2006 no Brasil: continuidade política e mudança na geografia eleitoral”.
57 Singer, André (2011), op. Cit., p. 252. working paper #19
produção, o crescimento e a distribuição de renda. O que leva a considerar que
o paralelismo entre o petismo e o lulismo teve razão de ser nos governos de
Lula e tem-no ainda no atual governo de Dilma Rousseff. Não é por acaso que
nos cartazes das presidenciais de 2010, Lula empreste a sua cara ao lado de
Dilma. E também não é por acaso que a eleição de Dilma se faça no Norte e
Nordeste do país. Pese embora a acusação de pragmatismo, Lula foi capaz de
fazer o que ele próprio apelida de “política do óbvio”, pois sem crescimento
económico como é que se consegue distribuir renda?
O IMPACTO DO LULISMO E DO PT NO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
Ainda na última eleição municipal em São Paulo, muito se falou do apoio que
Lula deu ao candidato do PT agora vencedor, Fernando Haddad. A conquista de
votos na periferia e entre a classe média, demonstra que o casamento entre
lulismo e petismo dá frutos eleitorais. O impacto do lulismo na política
brasileira consolidou o PT em todos os planos eleitorais, desertificando o
centro e conquistando votos à direita. Este processo aglutinador acaba por
isolar o PMDB e o PSDB, especialmente este último que tem ganho espaço
entre os eleitores de renda alta e parte da classe média urbana, no entanto,
sem conseguir fazer vencer o seu discurso social democrata. Contrariando a
maioria dos partidos social-democratas da América Latina, o PT possui apoio
sindical o que lhe permite, contrariamente ao PSDB, consolidar-se entre a
esquerda. O PMDB, ainda o maior partido brasileiro em representação local e
número de militantes, surge como o grande aliado do PT para o executivo e
legislativo nos últimos dez anos. No entanto, o realinhamento eleitoral entre
2002 e 2006 também produziu as dissidências na esquerda do PT. O Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL) e a campanha presidencial de Marina Silva são
exemplos paradigmáticos de expulsões e dissidências provocadas logo no
primeiro governo de Lula e demonstram a força que a alteração do discurso
teve em diversos setores esquerdistas. A evolução do PT dentro do sistema partidário brasileiro acompanha uma
estratégia de sobrevivência que tem raízes nas tendências da história do Brasil.
O PT pragmatizou o seu discurso de forma a atingir diferentes eleitorados;
mesclou-se internamente e externamente através de diferentes confluências
ideológicas de esquerda e centro-esquerda, procurando alianças eleitorais
transversais; tornou-se conservador ao conseguir o voto no Nordeste58;
transformou o Estado ocupando determinados setores. Neste cenário, o PT
consolidou-se como uma narrativa brasileira.
58 Conseguindo este ano nas eleições municipais ser o partido com mais prefeitos no estado da
working paper #19 OBSERVATÓRIO POLÍTICO
Para citar este trabalho/ To quote this paper:
BERNARDES, Bruno G. «A História do Partido dos Trabalhadores: Uma Narrativa Brasileira»,
Working Paper #XXXXX, Observatório Político, publicado em XX/X/201X, URL:
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Data Merging: Tolterodine Protocol A6121123This document details the importation of raw data, and the matching/merging of the various datasets into one dataset. This document constitutes a “literate program”: it contains computer code that isrun in the process of creating this document, and the merged data set is created simultaneously. Thus,it is a reliable, reproducible description of the
Oral Forms of Tetracycline and Doxycycline Are Effective in Producing Pleurodesis* Semra Bilaceroglu, MD, FCCP; Yubiao Guo, MD; Michael L. Hawthorne, MD;Zhiwen Zhu, MD; Georgios T. Stathopoulos, MD; Kirk B. Lane, PhD; andRichard W. Light, MD, FCCP Purpose: We investigated whether oral tetracyclines could produce an efficient and safe pleurodesis as does parenteral doxycycline, which is c