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Revista Brasileira de Ensino de F´ısica, v. 29, n. 4, p. 493-498, (2007)www.sbfisica.org.br Instituto de F´ısica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil oes de William Thomson ao estabelecimento das categorias da termodinˆ Palavras-chave: efeito mecˆanico, dissipa¸c˜ao de energia, irreversibilidade, entropia, fun¸c˜ao de Carnot.
William Thomson’s contributions to the making of the categories of thermodynamics are analyzed.
Keywords: mechanical effect, dissipation of energy, irreversibility, entropy, Carnot’s function.
Outra vez te revejo, cidade de minha infˆ Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui . . .
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei, Ou somos, todos os Eu que estive aqui ou estiveram, erie de contas-entes ligadas por um fio-mem´ Alvaro de Campos, Lisbon Revisited (1926) 1. Desponta o pensador
puissance motrice du feu et sur les machines propres ad´ evelopper cette puissance. Thomson entendeu que a ao de seu problema estava na teoria de Carnot e latente, etc., medidas essas que estavam sendo refeitas orio de V. Regnault. Uma das dificuldades Em seu livro, Carnot enuncia o princ´ıpio - doutor William Thomson, que estagiava no laborat´ Princ´ıpio de Carnot - segundo o qual o funcionamento ermicas consiste no transporte de calor Thomson leu um artigo de Emile Clapeyron - orico) de uma fonte quente para uma fonte fria.
Puissance motrice de la chaleur - publicado em 1834, Usando o princ´ıpio, Carnot demonstra o teorema (Teo- no Journal de l’Ecole Polytechnique e, em 1843, no An- nalen der Physik. Nesse artigo, Clapeyron apresenta um resumo de uma teoria proposta, em 1824, por Ni-colas L´ 2O R´eflexions foi lido por um amigo de Sadi, na sess˜ao de 14 de Junho de 1824 da Acad´emie des Sciences de Paris, `a qual estava Legendre, Poisson, Cauchy, Dulong, Navier e Riche de Prony. Apesar da importˆ ancia cient´ıfica dos ouvintes, o livro caiu em ouvidos ao que me apetece, apresentada por alguns historiadores, ´ e: O livro de Carnot foi escrito no contexto ao morta, agonizava em coma profundo e nem o pr´ tram notas em seu caderno de rascunho; sua teoria dependia de muitos resultados obtidos com o cal´ orico e o desespero era compreens´ıvel.
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e: W = fator de convers˜ao de unidades × QW . Ora, o aficos p × V ;3 matematizou o Princ´ıpio de Carnot: ancia (U ), inicialmente exis- encia = Δt , onde C - chamada fun¸c˜ao de Carnot tente, foi acrescido de Q, portanto, ap´os realizar tra- ciais, ela tem de se desfazer de Qt = Q − QW ;5 - da´ıa necessidade da fonte fria; o Princ´ıpio de Carnot, cor- rigido por Clausius, diz que tem de existir um trans-
que tra¸caram o destino da teoria do calor:4 porte de calor da fonte quente para a fria, igual a Qt.
(I) 1849: On an absolute thermometric scale founded
Para demonstrar o Teorema de Carnot, Clausius “tira on Carnot’s theory of the motive power of heat, and do bolso”o seguinte princ´ıpio ([2,3]): calculated from Regnault’s observations (PhilosophicalMagazine). Esse artigo ´ Carnot para demonstrar (teoricamente) a existˆ lizar diferen¸cas de temperatura e, portanto, de passar de corpos mais quentes para [cor- (II) 1849: An account of Carnot’s theory of the mo-
tive power of heat; with numerical results deduced from
Regnault’s experiments on steam
(Transactions of the
Royal Society of Edinburgh 16, 571-574). Nesse artigo,
Thomson apresenta um resumo da teoria de Carnot,
O Princ´ıpio de Joule estabelece a conserva¸c˜ realizados por James Prescott Joule ([2]): Segundo Car- Q = QW + Qt, Clausius mostra que dU = dW + dQ Clausius entendeu que o Princ´ıpio de Carnot balho, como quer Joule; Rudolf Julius Emmanuel Clau- sius (1850) resolve o problema de Thomson e concilia o Princ´ıpio de Carnot com o Princ´ıpio de Joule ([2], [3]).
volver a quantidade Qt `a fonte quente. Carnot tamb´emo entendeu como conserva¸ A resposta de Clausius a Thomson
orico (Q) retirado da fonte quente, pois, sendo uma para um ciclo completo, revers´ıvel; definindo S por ΔS = Tfinal dQ , a lei de conserva¸c˜ao, no caso cont´ınuo, dS = 0. Clausius ainda provou que, em processos um calor (Q), expande, empurrando um ˆembolo, logo dQ ; n˜ao existe “conserva¸c˜ao”de S realizando trabalho. Para funcionar de novo, a m´ designar S, voc´abulo que lembra transforma¸c˜ao (τ ρoπ ´ O Princ´ıpio de Joule diz que a m´ aquina trans-
e’ - em Grego) e energia e enunciou duas leis: (1) forma em trabalho (W ) parte (QW ) do calor rece-
bido (Q); a express˜ao do princ´ıpio, segundo Clausius, 3Clapeyron trabalhou com m´aquinas t´ermicas, na R´ussia, e l´a teria conhecido um engenheiro de James Watt. O grupo de Watt havia desenvolvido um dispositivo - chamado indicador de Watt - que, atrelado ` afico vai ser desenhado movimenta-se com o ˆ apis movimenta-se sobre o papel, movido por uma mola que se comprime de acordo com a press˜ ao mais detalhada pode ser encontrada no livro de James Clerk Maxwell ([1]). O dispositivo era um segredo industrial de Watt, desenvolvido para provar que a m´ aquina de Watt era melhor do que a de seu oponente, em meio a uma das in´ 4Thomson foi prol´ıfico e deu muitas contribui¸c˜oes importantes `a f´ısica e `a ciˆencia. Os artigos mencionados neste artigo referem-se a 5A express˜ao conte´udo de calor da substˆancia para designar U ´e de Clausius.
6A demonstra¸c˜ao de Clausius ´e apresentada no bel´ıssimo livro de Enrico Fermi [5].
O trabalho que deveria ter sido pro-
1. As dificuldades de Thomson, expressas em 1849, 2. Em 1849, Thomson matematiza a segunda lei, a la Clapeyron. Seja: v, volume; t, temperatura em grauscent´ıgrados; p, press˜ao; ¯ ermica: v → v + dv; p → p 1 − dv ; p = p 1 1 dv ter sido produzido? Nada pode ser perdido atica: v+dv → v+dv+δv; p 1 − dv → p = p 1 − dv − δp gia pode ser destru´ıda. Que efeito, ent˜ v + dv + δv → v + δv; p 1 − dv − δp → p − δp; ¯ p = p 1 1 dv − δp atica: v + δv → v; p − δp → p; os o artigo de Clausius, Thomson publica mais dois artigos, que mostram o pensador profundo: (III) 1851: On the dynamical theory of heat, with nu-
merical results deduced from Mr. Joule’s equivalent of a
thermal unit, and M. Regnault’s observations on steam

× dv + p 1 − dv − δp × δv− (Transactions of the Royal Society of Edinburgh 20,
261-268, 289-298). Nesse artigo, Thomson resume a Thomson enuncia a segunda lei de um modo que, se-gundo ele, havia formulado antes do artigo de Clau- δW = dv (vδp − pδv) . Thomson demonstra que vδp − pδv = p0v0 dt.10 Ent˜ao, E imposs´ıvel, por meio de agente mate- δW = dv p0v0 dt ≡ ao de Carnot (μ ´e o inverso da abaixo da temperatura do objeto mais frio, ao de Clapeyron, acima) e dq ´e o calor dispon´ıvel.
(IV) 1852: On a universal tendency in nature to the
dissipation of mechanical energy (Philosophical Maga- Primeira lei.
erie 4], 4, 304-306).
ao p e temperatura t expande a press˜ao cons- e v + dv e t + dt; para isso, recebe um ca- lor ∂Q dv + ∂Q dt ≡ M dv + N dt ou energia mecˆanica J (M dv + N dt);11 o trabalho produzido ´e: pdv. Ent˜ao,pdv − J (M dv + N dt) = (p − JM ) dv − JN dt ´e “a anica do efeito externo total”(parece ser (p−JM ) = (−JN) ou ∂p = J ∂M − ∂N .
de Carnot como sendo absolutamente per-dido por condu¸c˜ Segunda Lei. O trabalho realizado pela m´
e: dp dv = ∂p dt dv. Ent˜ao, lembrando que o calor re- ancia. Thomson define: μ = ∂t .
7A eq¨uivalˆencia entre os enunciados de Clausius e de Thomson ´e demonstrada na Ref. [5].
8O trabalho, de fato, n˜ao ´e “perdido no mundo material”, mas se integra ao conte´udo de calor ou energia interna (U).
9Para o c´alculo do valor m´edio, notar que ¯p = pinicial ∓ |pinicial−pfinal| 10Apesar disso ser trivial, por deriva¸c˜ao de pv = p0v0 273 T , Thomson raciocina diferentemente. No processo isob´ arico a p0 (v0 → v1; t0 → t + dt): v1 = t+dt+273 ermica a t + dt (v1 → v; p0 → p): pv = p0v1. Logo: pv = p0v0(1 + t+dt ermica a t ((p − δp) (v + δv) = p0v0 t 273 . Subtraindo: vδp − pδv + δpδv ≈ vδp − pδv = p0v0 dt 11Thomson, como Clausius, n˜ao tinha a nota¸c˜ao .
ermica, Jdq = qμ dt, onde q ´e o ca- calor espec´ıfico, calor latente, calor sens´ıvel, equil´ıbrio lor absorvido da fonte e dq ´e a quantidade transfor- mada em trabalho. Integrando entre as temperaturas ao estabelecer categorias com as quais o fenˆ calor tinha de ser pensado. Existe uma opini˜ sido destru´ıdo por uma analogia de calor com luz, cla- encia marcante que se segue da proposi¸c˜ ao de energia. Em uma feliz s´ıntese da id´ dida como o resultado de um movimento vi- Thomson, Peter Michael Harmann [6] argumenta que, ou, ao menos, acompanha o calor radiante ese move com a mesma velocidade do calor.
pressam [respectivamente] a indestrutibili- ao compat´ıveis, porque energia dissipada Poderia um movimento (o do calor radi-ante) produzir mat´ eia de recuperabilidade das condi¸c˜ son tivesse escrito o artigo sobre dissipa¸ antes do artigo de Clausius (de 1854). Thomson n˜ de la Philosophie, concebeu o calor como um (estranho) notou que o Princ´ıpio de Carnot, sendo um princ´ıpio movimento especial de partes pequenas da mat´ sobre recuperabilidade (ou eculo XVIII, Daniel Bernoulli, em Hydrodynamica sive de vivibus et motibus fluidorum commentarii concebe Princ´ıpio de Carnot tornou-se uma prescri¸c˜ alculo da quantidade de calor transferido para a movem e colidem e demonstra que p ∝ 1 . Deve-se men- fonte fria, dada uma quantidade de calor inicial [7]; cionar John Herapath (1816), J.J. Waterston (1843) e e importante notar, no artigo de Thomson, traduzido onig, que, em 1856, publicou um artigo, propondo umero da RBEF12, que ele usa, no caso de processos irrevers´ıveis, a mesma express˜ anico em processos revers´ıveis. ´ Em 1857, Clausius publica um artigo ao qual deu o feliz nome de A natureza do movimento a ao com o “trabalho-que-deveria-ter-sido- que chamamos calor; nele, apresenta os princ´ıpios calor (Q), trabalho (W ) e energia interna (U ) garante a lei pV ∝ T , onde T ∝ indestrutibilidade da energia, mas n˜ ao do calor retirado da fonte quente.
freu a seguinte cr´ıtica: O modelo cin´ Thomson centrou sua teoria em indestrutibilidade e dis- estar correto, pois, se estiver, ao se abrir um frasco de ao (como quer Harmann), como se fossem dois con- perfume, em um canto de uma sala, as mol´ se propagariam para o canto oposto; no entanto, ins-tantes decorrem, antes que o cheiro se propague. Em Dissipa¸c˜
ao 23 anos depois
resposta, Clausius publicou um artigo em 1858; nele,Clausius inventa o conceito de livre percurso m´ ao era devida a um fluido, o flog´ıstico, cor- e um “fluido”por si, logo nada mais na- palavras de Clausius, irregular; as mol´ tural do que pensar em calor como fluido. Um de seus ria introduziu conceitos tais como quantidade de calor, mente dirigem-se diretamente ao outro canto da sala.
Clausius demonstra que deve existir um percurso m´ oes (λ), de tal modo que uma fra¸c˜ao ex- tiva suficientemente finas para lhe dar a fa- um evento puramente estat´ıstico; pode-se argumentar: ao, nada tem de estat´ıstico, a trajet´ onde ele age. Como primeira tarefa, os Demˆ tendeu que, se o modelo de Clausius estiver certo, o li- eculas arbitrariamente escolhidas, da regi˜ a B; e um pouco mais de mol´eculas, de B para A, moleculares, mesmo antes que se tenha provado a com menos energia entre elas do que as 100 anteriores, mas mesmo momentum; repetindo a opera¸c˜ “exerc´ıcio”, Maxwell desenvolve uma teoria estat´ıstica eculas e baixa temperatura em A, enquanto, em B, oes moleculares e calcula o coeficiente de visco- sidade como dependente de λ. Diferentemente de Clau- com celeridade uniforme v (na m´edia, diz ele), Max- well [5] entendeu que, devido ao choque, as velocidades ao, no caso N exp(1 mv2 )/Z [8].
Maxwell introduz, nesse artigo, uma proposi¸c˜ estat´ıstica. Duas esferas (iguais) colidem, se o centro de uma cai em um c´ırculo centrado na outra, considerada longo desde o suposto arranjo inicial, a dife- ren¸ca de energia entre dois quaisquer volu- ao). Maxwell mostra que, se o parˆ e uniformemente distribu´ıdo no semi c´ırculo da igual probabilidade, para qualquer dire¸c˜ tal [de energia] em cada um [volume]; ou, mais estritamente falando, a probabilidade da diferen¸ca de energia que excede qual- estivessem alinhadas, distanciadas de λ, e, se a pri- meira sofresse um piparote e colidisse com a segunda, o resultado seria um deslocamento λ da fila, propagando movimento (energia) somente nessa dire¸c˜ ao-irregular”; ele invoca a proposi¸c˜ pacto define irregularidade [8].
reza estat´ıstica do “movimento a que chamamos calor”.
os ter enunciado o conceito de dis- unica diferen¸ca que cada part´ıcula est´ (V) 1874: Kinetic theory of the dissipation of energy
(Nature, 9, 441-444).
ser revertida. Suponha um recipiente de g´ metades inferior e superior estejam a diferentes tempe- a mesma lei que existia, imediatamente de- pois que o sistema foi, inicialmente, largado onio citado por Thomson, acima - para ilustrar e calculando suas energias, [considerandoo] todo, n˜ ‘probabilidade’ ? Seria ‘probabilidade’, como Maxwell parece sugerir, apenas o resultado da “ignorˆ detalhes do sistema (o chamado conceito epistˆ odica justificaria a distribui¸c˜ dade apropriada ao equil´ıbrio (ensemble microcanˆ eculas como praticamente infinito que se [1] J.C. Maxwell, Theory of Heat, 1888 (Dover, Nova Ior- [2] P.M. Cardoso Dias, Revista Brasileira de Ensino de F´ısica 23, 226 (2001),
oricas” (determin´ısticas) e estat´ısticas, [3] P.M. Cardoso Dias, Archive for History of Exact dois setores disjuntos. O jovem Ludwig Eduard Boltz- Sciences 49, 135(1995).
mann pensou em descobrir um teorema da mecˆ [4] P.M. Cardoso Dias, Papers in Logic, Methodology and Philosophy of Science, editado por D. Prawitz and D. Westerst (Kluwer Academic Publishers, Dordrecht, de um sistema fora do equil´ıbrio para o equil´ıbrio termo- [5] E. Fermi, Thermodynamics, 1936 (Dover, Nova Iorque, [6] P.M. Harmann, Energy, Force and Matter: The Con- ceptual Development of Nineteenth-century Physics, (Cambridge University Press, London, 1982).
por Thomson no texto acima citado. Essa hip´ [7] P.M. Cardoso Dias, Annals of Science 53, 511 (1996).
[8] P.M. Cardoso Dias, Annals of Science de impacto, como observado por mim [9]. A proposi¸c˜ 51 249, (1994).
[9] P.M. Cardoso Dias, Archive for History of Exact ao molecular; a acreditar na proposi¸c˜ Sciences 46 341, (1994).
[10] J.L. Lebowitz and O. Penrose, Physics Today 26 23,

Source: http://www.cce.ufes.br/jair/fis2/RBEF493_a04v29n4_Trabalho_Perdido.pdf

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