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Artigo 4 - v2n2

VELHICE E SUAS REPRESENTAÇÕES: IMPLICAÇÕES PARA UMA INTERVENÇÃO
PSICANALÍTICA
AGING AND ITS REPRESENTATIONS: IMPLICATIONS FOR PSYCHOANALITIC
INTERVENTIONS
RESUMO
A cultura contemporânea conceitua representações específicas de velhice, de forma a tentar solucionar
o problema social em que esta se transformou. Objetiva-se, aqui, pensar de que forma a clínica
psicanalítica se inclui na reverberação causada no sujeito pelas representações culturais, sua imagem
e seus ideais.
PALAVRAS-CHAVE
Velhice; cultura; psicanálise.
Um dia a senhora NTS se viu no espelho e se assustou. A mulher do espelho não era ela. Era outramulher. Por um instante pensou que fosse uma brincadeira do espelho, porém descartou esta idéiae correu a se olhar no grande espelho da sala. Nada. A mesma senhora. Foi no banheiro, nocorredor, nos pequenos espelhinhos que carregava na sua bolsa, e nada. Aquela mesma senhoradesconhecida estava lá. Decidiu sentar e fechar os olhos. Sentia vontade de fugir para um lugarbem longe onde não pudesse se encontrar com aquela pessoa. Porém era mais prudente ficar porperto, não deixá-la sozinha. Observá-la. Parou para refletir: quem poderia ser essa senhora? Talvez a que morou antes de mim nesteapartamento? Talvez a que morará aqui quando eu sair? Ou, quem sabe, a mulher que eu mesmaseria se minha mãe tivesse casado com seu primeiro namorado? Ou, quem sabe, a mulher que eumesma teria gostado de ser? Lancei uma rápida olhada no espelho e decidi que não. De jeito nenhum eu teria gostado de seressa senhora. Depois de pensar muito tempo, a senhora NTS chegou à conclusão de que todos osespelhos da casa tinham enlouquecido, agiam como atacados por uma doença misteriosa. Tenteiaceitar a situação, não me preocupar mais, e simplesmente parar de me olhar no espelho. A gentepode viver muito bem sem se olhar no espelho. Guardei os pequenos espelhos de bolsa para temposmelhores e cobri com panos os maiores. Um belo dia, quando, por força do hábito, estava mepenteando frente ao espelho do armário, o pano caiu, e ali estava a outra me olhando, aqueladesconhecida. Desconhecida? Parece-me que já não tanto assim. Contemplo-a durante longosminutos. Começo a achar que tem um certo ar de família. Talvez esta dama compreenda minha situação e por pura bondade tente se adaptar a mim, a minha imagem que por tanto tempo habitoumeus espelhos. Desde então olho-me ao espelho todos os dias, a toda hora. A outra, não tenhodúvidas, se parece cada vez mais comigo. Ou e ucom ela?Frenk-Westheim, 1992 Caso pudesse o sujeito admitir a transitoriedade das coisas, o envelhecimento haveria de se aliar nãocom a inquietude, o desalento, a dor e o medo, mas sim com a alegria do novo e com a afirmação domúltiplo. A velhice, talvez em função da sua inexorabilidade e uma pretensa intimidade com a morte,só pode ser pensada a partir do momento em que o “problema dos velhos” apresentou-se como nãomais passível de esquecimento. No Brasil, quase nada foi feito com um interesse exclusivo na velhice,de forma que apenas muito recentemente os velhos passaram a existir, ou melhor, tornaram-sevisíveis como representantes de uma “catástrofe demográfica” que se anuncia. Sabemos que diversasformas de categorização – sociais, culturais, psicológicas – definem os limites entre as idades, masnenhuma delas é capaz de descrever o experienciar a velhice, tornando-se meras generalizações.
Podemos afirmar que as categorias da velhice mudaram nos últimos 30 anos significativamente. Masse estas mudanças, geralmente consideradas como um empowerment desta população, são boaspara todo mundo, é questionável. A psicanálise como método de se pensar a velhice oferece umcontraponto à naturalização do “novo envelhecimento”. Por refletir sobre o sofrimento não apenascomo algo intrapsíquico, mas considerando a pessoa como situada em um determinado mundo comsuas ideologias, valores e ordens, a psicanálise pode ajudar a entender a velhice.
VELHICE: UM MAL-ESTAR NA CULTURA?
Como um conceito inserido em um repertório cultural e historicamente delimitado, a velhice é
desnaturalizada e pode atravessar do estatuto de um processo biológico para o de uma construção
social.(1)Conseqüentemente, pensar na velhice em termos de identidade social possibilita percebê-
la como uma classificação, uma vez que há uma atribuição por parte da sociedade e uma auto-
atribuição concomitante da identidade etária, separando e arrumando os indivíduos em parâmetros
de idade.
A transformação da velhice em problema social não pode ser encarada apenas como decorrente doaumento demográfico da população idosa. Para Remir Lenoir (1989), um problema social é umaconstrução social, fruto de um cruzamento de fatores muito mais complexo do que simplesmente oresultado do mau funcionamento da sociedade. Um problema social decorre de um trabalho dereconhecimento, mobilização e legitimação de uma questão particular.
Segundo Debert (1998), a transformação do envelhecimento em objeto de estudo relaciona-se adiversas dimensões que vão desde o desgaste fisiológico e do prolongamento da vida ao desequilíbriodemográfico e custo financeiro das políticas sociais. Assim, a compreensão da velhice na sociedadecontemporânea implica o reconhecimento da sua dimensão histórica e social, de forma que arepresentação social da pessoa envelhecida modificou-se, ao longo do tempo, uma vez que asmudanças sociais reclamavam políticas sociais que pressionavam pela criação de categoriasclassificatórias, adaptadas às novas condições e ao objeto velho. Desta forma, na transformação doenvelhecimento em problema social estão também envolvidas novas definições da velhice, como porexemplo, a “terceira idade”.
Através da “terceira idade” cria-se uma chance para um novo processo de envelhecimento atravésdos estereótipos de longa data. Trata-se de uma nova imagem para o envelhecimento, a partir dacategorização e criação de um novo vocabulário, que se opõe ao antigo no tratamento dos maisvelhos: “terceira idade” x velhice. Por meio da atribuição de novos significados aos estágios maisavançados da vida, estes passam a ser tratados como momentos privilegiados para novas conquistas guiadas pela busca do prazer, da satisfação e da realização pessoal. Teoricamente, as experiênciasvividas e os saberes acumulados seriam ganhos que propiciariam a oportunidade de explorar novasidentidades, realizar projetos abandonados em outras etapas da vida, além de estabelecer relaçõesmais profícuas com o mundo dos mais jovens e dos mais velhos. Estas são as imagens que acompanhama representação da “terceira idade” e que, atualmente, chega ao ponto de a identificarem como“melhor idade” em mais um estereótipo em que, “maniacamente”, se tenta negar o sofrimento daestigmatização da velhice como dor e perdas (Leibing, 2001; Laslett, 1991).
Ainda sobre a construção da representação de “terceira idade”, pode-se afirmar que o curso da vidacontemporânea ou pós-moderna é marcado por comportamentos tidos como adequados às diferentescategorias de idade. Entretanto, o conceito de “terceira idade” implica, na verdade, adescronologização da vida, uma vez que a juventude deixa de fazer parte de um grupo etário específico,transformando-se em um bem a ser adquirido através de estilos de vida e formas de consumoadequadas.
Atualmente, os indivíduos são convencidos a assumir a responsabilidade pela sua própria aparência,comportamento e talvez, até mesmo, seu adoecimento. Isto porque envelhecer está normalmenteconjugado com a impotência, declínio e morte e, assim, uma vez que a velhice é percebida como umestágio deprimente do desenvolvimento humano, então ser velho e acometido por doenças, como ademência, por exemplo, seria uma trapaça armada pelo destino que nos faria dar boas-vindas àmorte e ao esquecimento.
A publicidade, os manuais de auto-ajuda e as receitas dos especialistas em saúde estão empenhadosem mostrar que as imperfeições do corpo não são naturais nem imutáveis e, que, com esforço edisciplina, pode-se conquistar a aparência desejada, de forma que as rugas e a flacidez transformam-se em fraqueza moral e, portanto, devem ser combatidas através de cosméticos, ginástica, vitaminas,enfim, a parafernália da indústria do corpo e do prazer.(2) O fato de os idosos constituírem um novogrupo com disponibilidade para o consumo, bem como a relação existente com as concepçõesmodernas sobre a conservação do corpo propiciam uma nova significação ao envelhecimento. Oidoso já não se encontra mais ausente das diretrizes nacionais, das falas dos políticos, no entanto,ainda não existem iniciativas objetivas adequadas, nem tampouco a reformulação das representaçõesapresentadas pelo discurso gerontológico.
Segundo Debert (1998), a velhice como construção social cria subdivisões, de forma que, por exemplo,a categoria “velho”, na percepção dos “envelhecidos” das camadas médias e superiores está associadaà pobreza, à dependência e à incapacidade, o que implica que o velho é sempre o outro. Já a noçãode “terceira idade” torna-se sinônimo dos “jovens velhos”, os aposentados dinâmicos que se inseremem atividades sociais, culturais e esportivas. Idoso, por sua vez, é a designação dos “velhosrespeitados”. A expressão “idoso” designa uma categoria social, no sentido de uma corporação, oque implica o desaparecimento do sujeito, sua história pessoal e suas particularidades. Além disso,uma vez que é considerado apenas como categoria social “o idoso é alguém que existiu no passado,que realizou o seu percurso psicossocial e que apenas espera o momento fatídico para sair inteiramenteda cena do mundo” (Birman, 1995, p.23).
Mas o que é ser velho, ou melhor, quando se fica velho? Havia enunciado o louco desejo de conservar-se jovem, enquanto envelhecesse o quadro. Ah! sesua beleza não devesse fenecer e fosse permitido ao retrato, pintado nessa tela, carregar o peso desuas paixões, de seus pecados! A pintura não poderia, pois, ficar assinalada pelas linhas desofrimento e dúvida enquanto ele conservasse o desabrochar delicado e a lindeza de suaadolescência? Tal qual Dorian Gray, o mal-estar causado pela brusca percepção da deterioração do corpo associao velho à incapacidade, à mudez, à cegueira e à surdez, que produzem paralisação, restando-lhe asfaltas: falta de saúde, falta de trabalho, falta de atividade, falta de companhia e, principalmente, faltade desejo. Todas estas faltas evidenciadas em um corpo, que é o limite e a extensão do contato/relação com o mundo, de maneira que corpo e tempo se entrecruzam no envelhecimento e, dasformas decorrentes desse entrecruzamento, nascerão múltiplas velhices.
Através da experiência analítica, apreende-se que o corpo não é apenas um estado de saúde, cujanorma reside no seu bom funcionamento, mas sim, que pensamos com o corpo, que carrega umsentido próprio. Borges (1995) indica que existe uma especificidade tanto da relação saúde/doença,bem como do corpo, que se encontra intimamente associada à experiência individual, que não podeestar submetida ao social e ao mal-estar do cultural, mas sim ao pensamento freudiano. O encontrode Freud com a histeria e seus sintomas é o momento de ruptura com a objetividade médica, umavez que ultrapassa o biológico do corpo, lançando luz à verdade do sofrimento, ao valor simbólicodos sintomas e introduzindo a questão da subjetividade. Através dos processos psíquicos, o corpoadquire dupla valência: alvo da somatização, de processos orgânicos e terreno da subjetividade,passando a adquirir status de corpo libidinal, pulsional, trabalhando em busca do próprio destino.
Atualmente, criou-se, para fins de consumo, uma supervalorização do belo, de forma que o culto aobelo estético transcende a temporalidade, rebelando-se contra os ataques da deterioração, decadênciae morte (Medeiros, 1981). A feiúra torna-se assustadora e a repelimos. A tentativa de afastamentodo que é vivido como sofrimento caminha ao lado da procura de uma satisfação inalcançável, deforma que vivemos em um momento social em que a bela aparência é cultivada às últimasconseqüências: a beleza torna-se sinônimo do bom e a feiúra do mau. Não devemos nos esquecer deque, em O mal-estar na civilização (1930[1929]), ao pensar sobre as três fontes de sofrimentopermanente para os homens, Freud afirma que o sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadênciae à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais deadvertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadorase impiedosas; e, finalmente de nossos relacionamentos com os outros homens. (Freud, 1930 [1929],p.95) Portanto, uma vez que os corpos a nós apresentados são aqueles sem forma, caídos, enrugados eflácidos, não nos esqueçamos, também, do quanto somos nosso corpo e do quanto nossos processospsíquicos encontram-se atrelados às intercorrências a que este corpo está submetido, pois oinconsciente é uma memória cujas lembranças não se atualizam na consciência, mas nos nossos atos,nossos sonhos ou nosso corpo, sem que o saibamos.
Lidar com a velhice e o corpo torna-se difícil porque, tanto o próprio velho como os outrosestigmatizam, rejeitam e isolam. Deste modo, o contato que o velho tem com o seu corpo é medrosoe cheio de vergonha,(3) porque este corpo denuncia sua condição de mortal, o limite, restandoperguntar com perplexidade e estranheza sobre quem é este outro parecido comigo, mais velho queum ideal conservado na lembrança? Ao passo que a criança se rejubila antecipando sua unidade corporal, o velho se aflige ao anteciparum corpo fragmentado, arrebentado, um corpo de morte (Dourado, 2000). Lembramos de Freud aorelatar sua estranheza ao, na velhice, defrontar-se com a própria imagem: Estava eu sentado sozinho no meu compartimento no carro-leito, quando um solavanco do trem,mais violento do que o habitual, fez girar a porta do toalete anexo, e um senhor de idade de roupão e boné de viagem, entrou. Presumi que ao deixar o toalete, que ficava entre os dois compartimentos,houvesse tomado a direção errada e entrado no meu compartimento por engano. Levantando-mecom a intenção de fazer-lhe ver o equívoco, compreendi imediatamente, para espanto meu, que ointruso não era senão o meu próprio reflexo no espelho da porta aberta. Recordo-me ainda queantipatizei totalmente com a sua aparência. (Freud, 1919, p.309) Sendo, então, o corpo veículo da denúncia dos limites, ele dói e isto é mais forte que a angústia. Noentanto, a dor que denuncia as imperfeições insiste e ocupa um lugar privilegiado na imagem que ovelho tem de si mesmo, pois falar de dor é discurso socialmente aceito. Falar de angústia de morteé profanar a vida. Como Dorian Gray, assistimos impotentes ao envelhecer de nossa imagem sem,contudo, sentir realmente os efeitos do envelhecimento. O velho é sempre o outro em quem não nosreconhecemos.
A imagem da velhice parece estar fora e, ainda que saibamos que é a nossa imagem, nos produz umaimpressão de estranheza, é “a outra”. Entretanto, não podemos deixar de pensar que, na realidade,a velhice surge como um mero pano de fundo ou um cenário para uma peça que se desenvolve aolongo da vida. Incredulamente, em alguns momentos é difícil escapar da percepção de que o velhoque seremos já nos habita desde sempre, silenciosamente, ou seja, o que somos hoje não difere dovelho que seremos amanhã.
O envelhecimento do corpo biológico, aquele sobre o qual não há palavra que imponha ordem, nosmostra uma imagem não mais condizente com o ideal que guardamos. A imagem do espelho nãocorresponde à imagem da memória, pois antecipa ou confirma a velhice, ao passo que a imagem damemória quer ser uma imagem idealizada que remeta a um mesmo Eu.
No entanto, será que ser velho é ficar paralisado em um tempo passado de realizações e perdas,fazendo com que o futuro se torne apenas um borrão indefinido, morrendo-se um pouco a cada diapara despistar a morte? Bobbio (1997) afirma que, na velhice, não se consegue escapar à tentação derefletir sobre o próprio passado, que existe com o peso das recordações surgidas após anos dedesaparecimento. O presente é fugidio e o futuro pertence à imaginação, reduzindo-se até o completodesaparecimento. É a certeza de habitar um único corpo, quaisquer que sejam suas modificações,que nos garante uma identidade e permanência (Aulagnier, 1989). Para tanto, cabe ao sujeito dar omesmo sentido relacional a uma série de experiências, embora tenham acontecido em temposdiferentes, uma vez que a história do sujeito é a história das marcas relacionais de dor e emoção emseu corpo; esta é sua identidade. A história que ele escreve, atribuindo sentidos a estas marcas, éuma história que jamais se completa.
O sujeito velho nos fala de uma consciência de finitude e de um corpo imaginário que se nega aenvelhecer e que não se reconhece no espelho. A velhice é ainda representada como um tempo quetraz medo e ansiedade, e os sintomas decorrentes destes sentimentos são a negação e a repressão doenvelhecer. Em nossa cultura, ser velho é visto de forma negativa, o que exerce enorme impactosobre as ansiedades pessoais. Para Woodward (1991), a idade seria mensurada a partir de um cálculosubjetivo, resultante da diferença entre o próprio corpo e o do outro. Entretanto, estes corposseriam reflexos do prisma constituído tanto pelas próprias fantasias como pelas representaçõessocioculturais. Conseqüentemente, o corpo envelhecido, tal como imaginado e experienciado, eaquele com uma estrutura representada, seriam uma reverberação infinita. Assim sendo, podemosafirmar que a velhice, apesar de alguns discursos contrários, ainda é encarada como um dos mal-estares da nossa cultura. O corpo envelhecido, marcado pela passagem do tempo, poderia representaruma ferida narcísica, incontinente e em declínio, totalmente compatível com a noção cultural decorpo como significante da velhice.
Uma questão importante reside em até que ponto poderiam ser alteradas estas experiências. SharonKaufman (1986, 1994), em seu estudo fenomenológico sobre idosos norte-americanos, afirma queuma escuta atenta do idoso revela que muitos mantêm efetivamente uma auto-imagem jovem eidealizada, que diverge do corpo envelhecido no espelho, the ageless self. Mais diferenciada é aanálise de Featherstone e Hepworth (1991) que vêm a “traição” do corpo não como escondendo overdadeiro eu, mas como sinais culturais que escondem a riqueza e grande heterogeneidade daexperiência de ser velho.
Porém, se pode pensar que a contestação desta leitura reducionista e geralmente negativa do corpovelho, através do movimento da terceira idade, gerou novos estereótipos, com novas formas desofrimento, às quais a psicanálise, ou qualquer outra forma de intervenção “psi”, precisam estaratentas.
Assim sendo, pensar a velhice como um constante e sempre inacabado processo de subjetivação éuma direção. Ainda atualmente, encontramos em grande parte dos psicanalistas a noção de que nãovale a pena trabalhar com pacientes idosos, pois não há muito o que fazer por eles. Em parte, estepensamento encontra fundamentação no próprio Freud, para quem um tratamento psicanalítico nãoera recomendável para pessoas com idade acima de 50 anos (Freud, 1905[1904]). Ao longo dotempo, foram feitas diversas tentativas de adaptação das teorias psicanalíticas existentes, de forma aque pudessem vir a aliviar o sofrimento psíquico do sujeito velho, mas ainda é clara a necessidade dea psicanálise avançar em suas pesquisas, uma vez que a velhice como construção social está associadaa um grande espectro de problemas, pois estabelece direitos, deveres e possibilidades com os quaiso sujeito se identifica. Como conseqüência, se estabelece uma norma que passa a impor e regular osatos destes sujeitos, além do fato do termo velhice engendrar um tipo específico de subjetividade,uma vez que o grande drama dos velhos não se refere apenas à velhice propriamente dita, mas sim,às relações mantidas entre o velho, sua imagem e seus ideais (Goldfarb, 1998).
Para a psicanálise, o velho não deve ser pensado apenas como produto da responsabilidade individualou da deformação decorrente do desgaste do corpo, já que precisam ser consideradas as implicaçõesque os fatores físicos, sociais, culturais e psicológicos engendram. A associação destes fatores nosconfronta com os diversos mitos sob os quais o velho se apresenta na clínica: a velhice como oestranho, a velhice como doença, a velhice das manias e enrijecimento, a velhice sábia e boa, avelhice liberta das paixões da alma e das exigências da carne, a velhice como sinônimo da morte.
Portanto, uma intervenção psicanalítica com velhos implica a percepção de que faz parte da aventurade todo bom viajante ampliar um tanto mais sua bagagem, na medida em que isso se reveleenriquecedor, utilizando todos os recursos que possam auxiliar em um trabalho de desmonte dasresistências causadas pelos mitos associados à velhice, assim como o tratamento de conflitos existentesdesde sempre, além da realização de um inventário onde se procura elaborar pendências, lutos eganhos, ressignificando, na medida do possível, as formas de ser.
NOTAS
1 Usamos o termo “construção social” como um ato de conscientização. Este separa idéias de
objetos, ou seja, não nega, no nosso caso, o processo biológico heterogêneo do envelhecimento,
mas tenta localizar as idéias sobre o envelhecimento dentro do espaço e do tempo (cf. Hacking,
1999).
2 Lembramos a discussão em torno da Miss Brasil 2002, que com 22 anos, teve 19 intervenções
cirúrgicas antes da eleição para “modelar” o seu corpo. Esta plasticidade da imagem pode ser também
percebida pelo consumo de “remédios de estilo de vida” como Prozac, Viagra ou Botox.
3 A corporalidade do idoso também é influenciada pelo gênero, idade, formação e até mesmo areligião.
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ABSTRACT
The contemporary culture considers specific representations of age, in a way to solve the social
problem in that this changed. This article aims to think the inclusion of the psychoanalytic clinic in
the reverberation caused by the cultural representations, the image and the ideals.
KEYWORDS
Aging; Culture; Psychoanalysis
Recebido em: 08/06/02Aceito para publicação em: 26/09/02endereços eletrônicos para correspondência: [email protected]; [email protected] * Coordenadora Psicologia do Centro para Doença de Alzheimer - IPUB/UFRJ e DoutorandaPrograma de Pós Graduação em Psiquiatria e Saúde Menta IPUB/UFRJ.
** Antropóloga, PhD, Professora do Instituto de Psiquiatria/UFRJ e professora visitante daUniversidade Mc Gill, Montreal,Canadá.

Source: http://www.revispsi.uerj.br/v2n2/artigos/Artigo%204%20-%20V2N2.pdf

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